domingo, 11 de outubro de 2015

Portal Libertarianismo- Heróis da liberdade: Catão, o Jovem

Para muitos historiadores, dois homens merecem a honra de defensores mais notáveis da República Romana. Marco Túlio Cícero foi um deles. Marcos Pórcio Catão, ou “Catão, o Jovem”, foi o outro.
Se houve um “Jovem”, deve ter havido, por lógica, um “Velho”. Catão, o “Velho”, foi o bisavô do “Jovem”. Ambos, separados por mais de um século, foram influentes na administração pública. Pense no “Velho” como um conservador, preocupado com a preservação dos costumes e tradições de Roma. O “Jovem” foi um dos primeiros libertários da história, interessado mais nas liberdades pessoais e políticas, dado que acreditava que se fossem perdidas, nada mais importaria. É ao “Jovem” que me refiro neste ensaio como “Catão”.
Quando Catão nasceu em 95 a.C., a República Romana já estava em apuros. Fundada 400 anos antes, ela tinha saído da obscuridade para a dominância político-econômica do Mediterrâneo. Roma era facilmente a sociedade mais rica e poderosa do mundo. Não era um paraíso libertário – havia escravidão, por exemplo, mesmo que fosse mais brutal em outros lugares – mas Roma tinha levado a liberdade a um patamar nunca visto até aquele momento, e que não se veria novamente somente muitos séculos depois. A Constituição da República incorporava limites de mandato; separação de poderes; sistemas de controle; o devido processo legalhabeas corpus; o Império da Lei; direitos individuais; e corpos legislativos que representavam o povo, incluindo o famoso Senado. Tudo isso estava por um fio no século I a.C.
Catão tinha somente cinco anos de idade quando Roma entrou em guerra com seus ex-aliados na Península da Itália – a chamada “Guerra Social”. Ainda que o conflito tenha durado somente dois anos, seus efeitos deletérios foram profundos. As décadas seguintes seriam marcadas pelo surgimento de facções, conflitos, e exércitos locais leais somente aos seus comandantes e não à sociedade como um todo. Um beligerante estado assistencialista estava arraigando-se enquanto Catão crescia. As características do seu sucesso de outrora – governo limitado, a responsabilidade pessoal e uma sociedade civil livre – estavam definhando, em um processo secular de colapso. Não obstante, muitos daqueles que identificaram a decadência ao seu redor preferiram beber da fonte governamental, sucumbindo às tentações de poder e subsídios.
Antes de completar 30 anos, Catão tinha se tornado um indivíduo extremamente disciplinado, devoto ao estoicismo em todos os aspectos. Ele comandou uma legião na Macedônia e conquistou imenso respeito e lealdade de seus soldados pelo exemplo que foi vivendo e trabalhando diariamente no mesmo ritmo que exigia de seus homens. Primeiro, ele venceu a eleição para o cargo de Questor (supervisor de questões financeiras e orçamentárias do Estado) em 65 a.C., e rapidamente obteve uma reputação como inescrupulosamente meticuloso e inflexivelmente honesto. Ele fez o impossível para responsabilizar os antigos questores por sua desonestidade e apropriação indevida de fundos, as quais ele revelou à sociedade.
Depois, ele serviu no Senado romano, no qual ele nunca perdeu uma sessão e criticou outros Senadores que o faziam. Por meio de sua magnífica oratória em público e manobras primorosas em particular, ele trabalhou incansavelmente para restaurar fidelidade aos ideais da decadente República.
Desde os dias dos irmãos Graco (Caio e Tibério), no século anterior ao nascimento de Catão, mais e mais romanos estavam votando em prol de medidas assistencialistas para complementar ou mesmo substituir o bom e velho trabalho. Os políticos estavam comprando eleições com caras promessas de distribuição subsidiada ou gratuita de grãos. Catão viu o efeito enfraquecedor que tal demagogia cínica tinha sobre o público, opondo-se a ela desde o primeiro momentoA única vez que cedeu neste tópico foi quando apoiou uma expansão da assistência como a única forma de evitar que um demagogo chamado Júlio César assumisse o poder. Foi uma tática que ele esperava ser temporária, mas que, em ultima instância, fracassou, tornando-se a única mancha em uma carreira política de outra forma virtuosa e de princípios.
Foi a oposição firme e inflexível de Catão a Júlio César que o tornou mais notável. Catão viu no ambicioso general sedento por poder uma ameaça mortal à República, e tentou bloquear todos os seus movimentos. Ele obstruiu parlamentarmente a votação do pedido de candidatura de Cesar ao consulado, cargo supremo da República. Cesar acabou chegando ao poder, mas enquanto lá esteve, Catão o envergonhou mais que qualquer outro Senador. César até mesmo ordenou a retirada de Catão do Senado em meio a um dos seus discursos, ao que outro Senador declarou, de acordo com o historiador Dião Cássio, que ele “preferiria estar na cadeia com Catão que no Senado com César”.
No livro Rome’s Last Citizen: The Life and Legacy of Cato, Caesar’s Mortal Enemy (O último cidadão romano: vida e legado de Catão, o inimigo mortal de César), os autores Rob Goodman e Jimmy Soni salientam a resistência implacável de Catão:
Tinha sido um ano sem precedentes de obstrução e impasse, liderado por Catão. Nunca antes um senador tinha impedido a aprovação de tantos projetos legislativos. Os contratos fiscais, o plano pós-guerra para o Leste, a reforma agrária, o triunfo de César (um espetáculo público caro), o pedido de um consulado forte e de comando provincial por parte de César – Catão não tinha ficado contra eles sozinho, mas ele era o elo de ligação entre cada obstrução parlamentar e cada ‘não’.
Catão se entrepôs no caminho da agenda ambiciosa de César, mas não conseguiu impedir sua indicação ao pós-consulado como governador de província. Naquele posto, César reuniu suas tropas para um ataque á própria República que tinha governado enquanto Cônsul.  Em 49 a.C., elegloriosamente cruzou o Rio Rubicão e se dirigiu à Roma para tomar à força o poder.
Como um sinal de poder e magnanimidade, César poderia ter perdoado seu antigo adversário. Alguns historiadores contemporâneos e atuais acreditam que era, na verdade, a intenção de César e que teria sido a coisa mais correta a ser feita do ponto de vista político. Citando, novamente, Goodman e Soni:
No entanto, Catão não presentearia a César com o seu silêncio; ele tinha seu próprio roteiro para essa cena. Ele não reconheceria a legitimidade de um tirano ao aceitar seu poder para se salvar. Catão considerava que César infringia a lei mesmo ao conceder perdões, já que os oferecia sem ter autoridade para fazê-lo. Aceitar o perdão seria conceder a César o direito para perdoar, e Catão não faria isso, de jeito nenhum.
Então, em abril de 46 a.C., na região de Útica, usando sua própria espada para o feito, Catão cometeu suicídio ao invés de viver sob o domínio de um homem cuja sede de poder estava prestes a extinguir a antiga República. Enquanto Catão viveu, escreveu Goodman e Soni, “todo o romano que temia que as virtudes tradicionais estivessem se esvaindo, e que via na crise do estado como uma crise moral – como o produto da terrível e moderna avaria e ambição –, se inspirava e olhava, nesta época, para Catão”.
Com a morte de Cícero trezentos anos depois, sob as ordens do sucessor de César, Marco Antônio, a República morreu e a ditadura do Império começou.
Mais de 17 séculos depois, em Abril de 1713, a peça Cato: A Tragedy de Joseph Addison estreou em Londres. Retratando o antigo romano como um herói da liberdade republicana, ela ressoou nas décadas posteriores tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos. George Washington ordenou que fosse encenada para suas tropas em frangalhos na Valley Forge, durante o terrível inverno de 1777-78O Congresso havia proibido, pensando que sua triste conclusão deprimir as tropas, mas Washington sabia que a resistência de Catão à tirania os inspiraria. E, graças a Deus, assim o fez.
Poucos líderes colocaram a ambição de forma tão claramente à serviço dos princípios”, escreveu Goodman e Soni. “Estas foram as qualidades que separaram Catão de seus contemporâneos – e que fizeram com que ele fosse lembrado na posteridade”.
Colocar a ambição à serviço de princípios ao invés de em prol da glória, riqueza ou poder pessoal: essa é uma virtude a qual todo o político – em qualquer aspecto de sua vida – deveria aspirar.
// Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro. | Artigo Original

Sobre o autor

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Lawrence W. Reed é presidente da Foundation for Economic Education desde 2008. Formado em economia, já foi professor e é um prolifero palestrante

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