Nota sobre voluntariedade e justiçaby andreafaggion |
O que considero particularmente reprovável no discurso de boa parte do movimento libertário é como se conclui rápida e trivialmente da voluntariedade de uma relação para sua qualificação como justa, como se nenhuma análise adicional de fizesse necessária. Constato um desprezo muito grande pelo discurso do outro, uma incapacidade de ouvir e procurar entender os motivos daquele que discorda de nós, já pressupondo, simplesmente, que são defensores da violência. Pois eu gosto de ouvir e eu sempre me pergunto: por que eles acreditam que um contrato de casamento é perfeitamente legítimo, quando é assinado voluntariamente por dois adultos, mas têm tantos problemas em aceitar o mesmo tipo de contrato em certas relações de trabalho?
O ponto é que esses nossos interlocutores não aplicam o mesmo conceito de voluntariedade que nós. Para nós, libertários, voluntária é toda ação que não é praticada sob coerção de outro. Simples assim! Mas, para muita gente, a voluntariedade tem um sentido mais forte. Só seria voluntária a ação praticada sem necessidade. Isso nos faz lembrar do exemplo do navio, de Aristóteles. Seu navio vai afundar se você não jogar a carga no mar. Essa carga é preciosa para você. Mas ou você se desfaz dela ou morre. Você escolhe jogar a carga ao mar. Muitos dirão: de fato, você não tinha escolha, portanto, a ação não foi voluntária.
Agora, apliquemos a analogia a um contrato de trabalho. Trabalhadores pouco produtivos têm pouca ou nenhuma opção quando colocados diante de uma oferta de emprego. A menos que eles tenham outra fonte de renda, ou aceitam a oferta ou morrem de fome. Daí que tantas pessoas concluam que a relação não é voluntária.
Ok, aceitemos então os dois conceitos de voluntariedade como razoáveis. (Eu até quero reler Aristóteles, porque não lembro bem como ele classifica a ação do sujeito no navio. Acho que é como voluntária, mas com alguma qualificação.) Bem, o que decorre agora? Nós vamos considerar como juridicamente nulos os contratos de trabalho feitos com trabalhadores sem outras opções? Ora, então, esses contratos não serão mais oferecidos. Isso seria equivalente a condenar o sujeito no navio a afundar com a carga, pois ele foi proibido de jogá-la fora.
Naturalmente, ninguém defende exatamente isso, embora essa seja a consequências de muitas medidas defendidas por opositores do libertarianismo. O que querem é que o sujeito não precise jogar a carga ao mar. Assim, a grande questão que se coloca mesmo é a seguinte: alguém pode ser obrigado, por força de lei, a prover um necessitado com mais opções, para que ele possa fazer escolhas voluntárias no sentido dos opositores do libertarianismo?
Aqui, vocês precisam notar o choque entre os dois conceitos de voluntariedade. Para que um se torne capaz de ações voluntárias no sentido de ações não necessitadas, outro tem que praticar uma ação involuntária no sentido de uma ação coagida. O que precisa ser provado é que possuímos um direito geral a ações voluntárias, nesse sentido de ações não necessitadas, de tal forma que esse direito possa ser oposto a qualquer indivíduo, mesmo que ele não tenha nenhuma responsabilidade por nossa situação. Em outras palavras, teria que haver um direito a termos um bom número de boas escolhas (como determinaríamos o quanto seria o bastante?) e esse direito, como tal, suplantaria o direito de não sermos coagidos.
Mas temos algum direito de não sermos coagidos? Certamente, se existe tal coisa como direito, quaisquer que sejam os direitos, a base dele é o direito de não sofrermos coerção arbitrária. Se não houver tal direito, qualquer um pode sofrer qualquer ato de força a qualquer momento. Então, o que distinguiria o domínio do direito da pura violência? O direito, em sentido moral, é um uso legítimo que se faz da força. Isso pressupõe que nem todo e qualquer ato de força é legítimo. Assim, os indivíduos têm o direito de não sofrerem atos de força, a menos que o direito autorize, ou seja, que se justifique moralmente esse apelo à força. Deve ser argumentado por opositores do libertarianismo que o direito autoriza atos de força sobre algum indivíduo para que se amplie o número de boas escolhas disponíveis a outro indivíduo. Desejo boa sorte com isso a nossos opositores.
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