Do livro O Mundo Assombrado por Demônios, Carl Sagan
A saga dos círculos nas plantações demonstra como são modestas
nossas expectativas sobre os alienígenas e inferiores os padrões que muitos
de nós estão dispostos a aceitar. Originando-se na Grã-Bretanha e
espalhando-se por todo o mundo, tratava-se de um fenômeno mais do que
estranho.
Os fazendeiros ou os passantes descobriam círculos (e, anos mais
tarde, pictogramas muito mais complexos) gravados sobre campos de trigo,
aveia, cevada e colza. Começando por simples círculos na metade dos anos
70, o fenômeno progrediu ano a ano, até que no final dos 80 e início dos 90 a
paisagem do campo, especialmente no sul da Inglaterra, estava ornamentada
com imensas figuras geométricas, algumas do tamanho de um campo de
futebol, gravadas com grãos de cereais antes da colheita . círculos tangentes a
círculos ou conectados por eixos, linhas paralelas que se curvavam,
.insetóides..
Alguns dos padrões apresentavam um círculo central
circundado por quatro círculos menores simetricamente posicionados .
evidentemente causados, como se concluiu, por um disco voador e seus
dispositivos de aterrisagem.
Uma fraude? Impossível, dizia quase todo mundo. Havia centenas
de casos. Às vezes o círculo era feito em apenas uma ou duas horas, na calada
da noite, e numa escala muito grande. Não se viam pegadas dos fraudadores
aproximando-se ou afastando-se dos pictogramas. E, além disso, que motivo
poderia haver para uma brincadeira dessas?
Conjeturas muito menos convencionais eram propostas. Pessoas
com algum treinamento científico examinaram os locais, teceram argumentos,
chegaram a criar periódicos dedicados ao assunto. Seriam as figuras causadas
por estranhos redemoinhos chamados .vórtices colunares., ou por alguns
ainda mais estranhos chamados .vórtices anulares.?
E que dizer dos fogosde-
santelmo? Investigadores japoneses tentaram simular, no laboratório e em
pequena escala, a física dos plasmas que eles achavam estar atuando no
distante Wiltshire.
No entanto, especialmente à medida que as figuras nas colheitas se
tornavam mais complexas, as explicações meteorológicas ou elétricas se
tornavam mais forçadas. Não havia dúvida, o fenômeno era causado por
UFOs, os alienígenas procuravam se comunicar conosco em linguagem
geométrica. Ou talvez fosse o diabo, ou a Terra de tão longos sofrimentos
queixando-se das depredações efetuadas pela mão do homem. Os turistas da
Nova Era chegavam em bandos. Os entusiastas equipados com gravadores e
instrumentos de visão infravermelha empreendiam vigílias a noite toda.
A mídia eletrônica e impressa de todo o mundo acompanhava os intrépidos
cerealogistas.
Um público ansioso e admirador comprava os best-sellers sobre
os desfiguradores de colheitas. É verdade, nenhum disco foi realmente visto
pousando sobre o trigo, nenhuma figura geométrica foi filmada enquanto
estava sendo gerada. Mas os adivinhos autenticaram a sua origem alienígena,
e os canalizadores estabeleceram contatos com as entidades responsáveis.
Detectou-se .energia orgástica. dentro dos círculos.
Formularam-se perguntas no Parlamento. A família real chamou
para uma consulta especial lord Solly Zuckerman, ex-conselheiro científico
do Ministério da Defesa. Dizia-se que fantasmas estavam envolvidos; e
também os Cavaleiros do Templo de Malta e outras sociedades secretas.
Havia satanistas implicados.
O Ministério da Defesa estava encobrindo a
questão. Alguns círculos malfeitos e deselegantes foram considerados
tentativas feitas pelos militares para despistar a população. A imprensa
sensacionalista teve a sua grande oportunidade.
O Daily Mirror contratou um
fazendeiro e seu filho para fazer cinco círculos, na esperança de que o
tablóide rival, o Daily Express, ficasse tentado a publicar a história. Pelo
menos nesse caso, o Express não se deixou enganar.
As organizações .cerealógicas. cresceram e se dividiram. Os grupos
rivais trocavam entre si textos mal escritos e intimidadores. Acusavam-se de
incompetência ou de coisa pior. O número de .círculos. nas plantações
atingiu a casa do milhar. O fenômeno se espalhou para os Estados Unidos,
Canadá, Bulgária, Hungria, Japão, Holanda.
Os pictogramas . especialmente
os mais complexos . começaram a ser cada vez mais citados nos argumentos
a favor das visitas alienígenas. Estabeleceram-se conexões forçadas com A
Face em Marte. Um cientista meu conhecido me escreveu dizendo que uma
matemática extremamente sofisticada estava oculta nas figuras; elas só
podiam ser o resultado de uma inteligência superior. Na verdade, uma
questão consensual entre quase todos os cerealogistas rivais é que as figuras
mais recentes nas colheitas eram demasiado complexas e elegantes para
serem resultado da mera intervenção humana, muito menos de alguns
mistificadores imperfeitos e irresponsáveis. A inteligência extraterrestre era
visível num simples olhar de relance...
Em 1991, Doug Bower e Dave Chorley, dois sujeitos de
Southampton, anunciaram que vinham fazendo as figuras nas plantações
havia quinze anos.
Eles imaginaram a brincadeira ao tomar cerveja preta
certa tarde no seu pub habitual, The Percy Hobbes. Eles tinham achado
engraçadas algumas notícias de UFOs, e pensaram que seria divertido lograr
os que acreditavam nos objetos não identificados. No início, achatavam o
trigo com a pesada barra de aço que Bower usava como tranca na porta dos
fundos de sua loja de molduras. Mais tarde, empregaram pranchas e cordas.
Suas primeiras tentativas levaram apenas alguns minutos. Mas, sendo
brincalhões inveterados e também artistas sérios, o desafio começou a crescer
dentro deles. Aos poucos, planejaram e executaram figuras cada vez mais
elaboradas.
A princípio, ninguém parecia ter percebido.
Não havia notícias nos
meios de comunicação. Suas formas de arte foram desprezadas pela tribo dos
ufologistas. Estavam a ponto de abandonar os círculos nas plantações e
passar para outra brincadeira emocionalmente mais gratificante.
De repente, os círculos nas plantações se tornaram populares. Os
ufologistas caíram como patinhos. Bower e Chorley ficaram encantados .
especialmente quando os cientistas e outras pessoas começaram a dar sua
opinião ponderada de que a simples inteligência humana não poderia ser
responsável pelas figuras.
Os dois planejavam cuidadosamente cada excursão noturna . às
vezes seguindo diagramas meticulosos que haviam preparado em aquarelas.
Eles acompanhavam de perto os seus interpretadores.
Quando um
meteorologista local inferiu um tipo de redemoinho, porque todas as
plantações estavam flectidas para baixo num círculo em sentido horário, eles
procuraram confundi-lo criando nova figura com um anel exterior achatado
em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
Em breve apareciam outras figuras nas plantações do sul da
Inglaterra e de outros lugares. Haviam surgido imitadores. Bower e Chorley
gravaram uma mensagem no trigo: .NÓSNÃOESTAMOSSOZINHOS..
Houve quem tomasse essas palavras como uma mensagem extraterrestre
genuína (embora tivesse sido mais correta se dissesse
.VOCÊSNÃOESTÃOSOZINHOS.). Doug e Dave começaram a assinar seus
trabalhos artísticos com dois Ds; até isso foi atribuído a um misterioso
propósito alienígena. As ausências noturnas de Bower despertaram suspeitas
de sua mulher Ilene.
Só com grande dificuldade . Ilene acompanhando Dave
e Doug certa noite, e depois juntando-se aos crédulos que admiravam a obra
no dia seguinte . é que ela se convenceu de que suas ausências eram, nesse
aspecto, inocentes.
Por fim, Bower e Chorley se cansaram da brincadeira cada vez mais
elaborada. Apesar de ainda apresentarem excelente forma física, estavam
ambos na casa dos sessenta e um pouco velhos para incursões noturnas nos
campos de fazendeiros desconhecidos e freqüentemente pouco
compreensivos. Talvez tenham se incomodado com a fama e a fortuna
acumulada por aqueles que simplesmente fotografavam a sua arte e
afirmavam que os artistas eram alienígenas. E também começaram a se
preocupar com o fato de que, se demorassem muito mais tempo, ninguém
acreditaria na sua história.
Por isso confessaram.
Demonstraram aos repórteres como é que
faziam até os padrões insetóides mais elaborados. Era de se esperar que
nunca mais alguém afirmaria ser impossível uma brincadeira prolongada
durante muitos anos, e que nunca mais ouviríamos que nenhuma pessoa teria
motivos para enganar os crédulos, fazendo-os crer na existência de
alienígenas. Mas a mídia deu pouca atenção. Os cerealogistas insistiam para
que tivessem calma; afinal de contas, eles estavam roubando de muitos o
prazer de imaginar acontecimentos extraordinários.
Desde então, outros têm continuado a brincadeira dos círculos nas
plantações, mas em geral de forma mais irregular e menos inspirada. Como
sempre, a confissão do logro foi ofuscada pela excitação inicial prolongada.
Muitos têm ouvido falar dos pictogramas nos grãos de cereais e de sua
alegada conexão com os UFOs, mas lhes dá um branco quando se mencionam
os nomes de Bower e Chorley ou a própria idéia de que toda a história não
passa de uma brincadeira.
Foi publicada uma exposição informativa do
jornalista Jim Schnabel (Round in Circles, Penguin Books, 1994) . da qual é
tirada grande parte do meu relato. Schnabel aderiu cedo aos cerealogistas e
acabou fazendo ele próprio alguns pictogramas de sucesso. (Ele prefere um
rolo de jardim a uma prancha de madeira, e descobriu que simplesmente
pisotear os grãos já produz um pictograma aceitável.) Mas a obra de
Schnabel, que um crítico descreveu como .o livro mais engraçado que li em
muitos anos., teve um sucesso apenas modesto. Os demônios vendem; os
fraudadores são aborrecidos e de mau gosto.
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