quarta-feira, 13 de maio de 2015

Portal Libertarianismo- Justiça social e a legitimidade da propriedade

Frequentemente se diz que o BHL (Bleeding Heart Libertarianism) viola o “axioma da não agressão”. Afinal, o BHL dá o seu aval a certos tipos de esquemas governamentais de seguridade social, caso acabem sendo a melhor maneira de se alcançar a justiça social, consistente com nossas liberdades econômicas. (Perceba que isso é uma condição necessária, mas não suficiente…)
Certos críticos do BHL pensam que isso significa que nós defendemos que você possa tomar a propriedade de alguém para ajudar os mais pobres. Parece, por essa visão, que somos a favor do roubo. Você tem sua propriedade legítima e está vivendo em paz. Então, algum cara perde seu emprego e fica sem dinheiro. Com isso aparece o Fisco, sancionado pelo BHL, que rouba sua conta bancária para ajudar o rapaz desempregado. Roubo. Correto? BHL = a racionalização do esquerdismo maléfico em linguagem libertária.
Vamos voltar um pouco e teorizar sobre a natureza da propriedade. Em “A Brief History of Liberty”, Schdmidtz e eu escrevemos,
Direitos de propriedades são como cercas, de certa forma. O seu propósito é ficar no caminho. Ou, se a colocação de cercas não soa libertador, considere uma metáfora diferente: direitos são como semáforos. Os direitos de tráfego facilitam o movimento do tráfego não tanto por ficar verde, mas sim por ficar vermelho. Sem semáforos, em efeito, nós todos teríamos uma luz verde, e o resultado seria um congestionamento. Em contraste, um sistema onde nos deparamos com luzes vermelhas e verdes ajuda-nos a seguir em frente. O sistema nos restringe, mas todos nós ganhamos em termos de nossa habilidade ir e vir, uma vez que desenvolvemos expectativas mútuas que nos capacitam a chegar onde queremos ir, sem intercorrências. O sinal vermelho pode ser frustrante, mas a interação que cria é de soma positiva. Todos nós conseguimos trafegar mais rapidamente, com mais segurança e maior previsibilidade, porque nós sabemos o que esperar uns dos outros.
Uma maneira pela qual eles não são cercas: Cercas são também para exibição. Há razões para colocar uma cerca mais custosa, mais bonita, em vez de uma cerca mais barata que poderia manter o cachorro do vizinho fora da mesma forma. Mas há poucos motivos para colocarmos um sistema legal mais custoso, mais belo, apenas para exibição.
Existem, aqui, alguns pontos sobre o tema propriedade, mas eu irei focar em apenas um ponto hoje: direitos de propriedade são barreiras coercitivas. Imagine um mundo em que nada fosse apropriado, todos os indivíduos tendo a liberdade para usar qualquer coisa que preferissem. Como Locke salientou: a primeira pessoa a reivindicar um direito de propriedade sobre alguma extensão de terra ou um objeto está basicamente dizendo o seguinte:
Ei, pessoal! Vocês sabem como uma semana atrás vocês eram completamente livres para atravessar esse campo? Vocês lembram como eram capazes de comer todas as frutas que encontravam por aqui? Bem, não mais. Eu agora considero esse campo como sendo meu. Exceto em circunstâncias especiais, você poderá cruzá-lo somente com permissão. Você não poderá comer qualquer fruta, a menos que eu permita. Além do que, eu me considero com permissão moral para usar de violência para impedir que vocês entrem no campo ou comam as frutas. Se vocês cruzarem esse pedaço de terra, eu vou bater em vocês.
Locke diria: “Peraí! O que possivelmente poderia justificar que alguém fizesse valer esse tipo de direito?” Em primeiro lugar, quando alguém reivindica um direito de propriedade, ele está reduzindo a liberdade dos outros, e, além disso, reivindicando autorização para usar de violência contra eles. Isso demanda uma justificativa. Então, qual seria a justificativa?
Uma resposta atraente para muitos libertários é a de que você está justificado em tomar posse de um objeto (com todas as declarações violentas) se você “mistura seu trabalho” com o objeto, “ocupa-o” ou “o incorpora aos seus projetos de vida”.
Mas outros, tais como o próprio Locke, pensam que isso não é suficiente. Afinal, ao declarar algo como exclusivamente seu você está: i) limitando o que os outros terão à disposição para usar, e está reduzindo o que estão livres para fazer. Você também demanda que eles respeitem a coisa como sendo sua e exige que eles aceitem que você possa usar de violência para manter sua posição. Então, pensa Locke, você precisa deixar “o suficiente e tão bom para os outros”. Isso soa um pouco como justiça social. A ideia é que, como um todo, o sistema de propriedade privada fosse o melhor para o benefício de todo mundo (ou muito próximo disso). Como Schmidtz elabora em seu artigo“The Institution of Property”, a apropriação original reduz o estoque do que pode ser originalmente apropriado, mas não reduz o estoque do que pode ser possuído. Por exemplo, o Americano típico de hoje é muito mais rico do que a primeira pessoa a se  apropriar de terra nas Américas.
Robert Nozick, ao articular uma teoria Lockeana, discute o que ele chama de “a sombra da ressalva (Lockeana)”: o sistema de direitos de propriedade por inteiro deve continuar a deixar o suficiente e tão bom para os outros, ou o sistema como um todo não será inteiramente legítimo. Não é suficiente que, quando os primeiros direitos surgiram, tenha-se deixado o suficiente e tão bom para os outros, mas esse sistema deve continuar a fazê-lo ao longo do tempo.
Então, mesmo em Locke e Nozick, nós temos uma visão de que um sistema de direitos de propriedade tem de estar sujeito a um teste sobre como ele afeta os outros. Os direitos não são legítimos a menos que eles beneficiem suficientemente outras pessoas (ou, talvez, a menos que eles não prejudiquem os outros em relação a determinado patamar, embora eu não tenha certeza se faz alguma diferença como descrevemos isso).
Locke, Nozick e os Bleeding Heart Libertarians concordam, em abstrato, sobre o que levar em conta para justificar um regime de propriedade. Nós apenas discordamos sobre os detalhes. Nós, BHLs, temos visões mais rigorosas sobre como sistemas de direitos de propriedade devem funcionar para que sejam legítimos. (Eu não entrarei aqui na discussão sobre o porquê de fazermos isso)
Então, sobre certas circunstâncias, se nós pensarmos que os fatos estão de acordo com isso, os BHL defenderão certos programas governamentais de seguridade social. Isso significa que nós defendemos que o governo roube a propriedade legítima das pessoas para ajudar as pessoas mais pobres? Não. Ao invés disso, estamos dizendo que, se certos fatos se seguem, então a porção que o governo toma não poderia legitimamente ser sua em primeiro lugar.
Confira Nozick: Suponha que você adquire um poço d’água sem violar os direitos de ninguém. Agora suponha que, durante a noite, sem ser culpa de ninguém, e por uma razão que ninguém poderia prever, todos os poços secam, exceto o seu. Suponha que seu poço tenha mais do que suficiente água para todos. Mesmo Nozick não pensaria que todo mundo deveria apenas continuar a considerar seu poço como seu, livre para dispor como queira. Ao invés, à luz dos fatos, seus direitos sobre a água teriam mudado. (Nozick estava perplexo sobre o quanto seu direito mudará, mas ele está bem certo que você deve deixar que as pessoas tenham acesso à água por um preço razoável, pelo menos.) Não é que as pessoas possam agora tomar sua água sem sua permissão, ou que você deve dar a elas água a um preço que você não escolheu. Ao contrário, a água nem mesmo é mais legitimamente sua, mesmo que fosse legitimamente sua quando você primeiro a adquiriu.
Veja também
 // Tradução de Valdenor Júnior. Revisão de Matheus Pacini. | Artigo Original

Sobre o autor

Jason Brennan
Jason Brennan é Professor Assistente de Filosofia na Georgetown University e autor do livro The Ethics of Voting. Ele escreve no blog Bleeding Heart Libertarians.

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