domingo, 24 de maio de 2015

Leandro Narloch- Como dar R$ 1500 a cada imigrante haitiano – sem tirar nada dos brasileiros

Por que tantos haitianos que vêm ao Brasil chegam pelo Acre? Não é preciso saber muito de geografia para perceber que o Acre fica meio fora de mão entre o Haiti e São Paulo ou Santa Catarina, para onde vai a maioria dos imigrantes. Então por que entrar pela Amazônia? Dias desses acordei intrigado com esse mistério e fui à Pastoral do Imigrante, no centro de São Paulo, para esclarecê-la com os próprios haitianos recém-chegados. A resposta que me deram é aquela de sempre: o problema é o governo. “É muito difícil conseguir um visto na embaixada do Brasil em Porto Príncipe”, me disse Jacques (não quis dar o sobrenome), de 23 anos, há duas semanas no Brasil. Haitianos que possuem visto podem vir a São Paulo em 11 horas - o visto e a passagem de ida e volta saem por R$ 3500. Sem visto, a alternativa é pegar um avião para o Equador, atravessar todo o Peru (pagando coiotes e subornando policiais pelo caminho) e entrar ao Brasil pelo Acre. “Leva uns 10 dias e sai pelo menos R$ 5 mil”, me disse o haitiano Jacques. Ou seja: cada visto que a embaixada concede resulta numa economia de R$ 1500 aos imigrantes. Mas o escritório brasileiro em Porto Príncipe não dá conta do trabalho. Chegou a receber 26 mil telefonemas num só dia, mas só conseguiu atender cinquenta. A cota mensal de vistos de esgota em poucos dias. A burocracia imposta pelo governo brasileiro agrava a crise migratória e cria mercado para os coiotes. Os haitianos chegam aqui com menos dinheiro e sem documentos para arranjar um emprego decente. E sem passagem de volta caso não arranjem emprego. É mais um exemplo do que o escritor mexicano Octavio Paz chamou de “ogro filantrópico”. O Estado esculhamba a história toda, atrapalha e empobrece quem já é pobre e depois, como se nada tivesse acontecido, seus representantes aparecem na TV dizendo que estão muito preocupados com a situação dos mais pobres. @lnarloch

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