segunda-feira, 6 de abril de 2015

Caio Blinder- A triangulação Washington-Havana-Teerã

Do legado em política externa, Barack Obama já pode colocar na coluna de ganhos, uma conquista modesta em termos de importância estratégica, embora carregada de simbolismo: a restauração dos laços diplomáticos dos EUA com Cuba. Um avanço bem mais significativo é a busca de um acordo nuclear abrangente com o Irã, cujo esboço foi acertado na semana passada. São dois países que têm uma tradição de ódio visceral dos americanos, os malditos imperialistas ianques, o Grande Satã.
A aliança de Cuba com o Irã dos iatolás remonta à revolução islâmica de 1979. Fidel Castro foi um dos primeiros chefes de estado a reconhecer o novo regime implantado pelo aiatolá Khomeini, insistindo que não havia “contradição entre revolução e religião”. Khomeini tinha outra visão. Após o triunfo da revolução, comunistas, esquerdistas e oposicionistas em geral foram vítimas de brutais perseguições e de execuções em massa. Nenhuma contradição para Fidel. Pragmatismo norteia as relações da Cuba comunista com vários regimes islâmicos. Fidel visitou Teerã em maio de 2001 e escutou do líder supremo, o aiatolá Khamenei, que, lado a lado, Irã e Cuba poderiam derrotar o Grande Satã. Hoje, o Irã acena com pragmatismo e conversa com os diplomatas do Grande Satã. Vamos ver. A mesma coisa com os cubanos, agora com conversas a todo vapor com os ianques.
Já o eixo Havana-Teerã é especialmente pragmático. A relação entre o regime ateu do Caribe e a teocracia do golfo Pérsico foi forjada ao longo de décadas, não apenas por este ódio dos EUA, mas por expressivos interesses materiais. O professor Jaime Suchlicki, da Universidade de Miami, relata que no começo dos anos 90, Havana começou a exportar produtos biofarmacêuticos para o Irã, além de treinar cientistas irananos para o seu uso. No final da década,  houve um aperfeiçoamento destes laços, com a exportação inclusive de armas biológicas. E, pelo menos em uma ocasião, em 2003, o Irã lançou ataques eletrônicos contra os EUA de território cubano
Rico em petróleo, o regime iraniano sempre foi pródigo para pagar pela assistência e pelo know-how da ilha dos irmãos Castro. As linhas de crédito foram incrementando ao longo dos anos, especialmente depois da ascensão à presidência em 2005 de Mahmoud Ahmadinejad. Na arena internacional, Teerã sempre pôde contar com o megafone castrista para defender o seu direito “inalienável e pacífico” de ter um programa nuclear.
Jaime Suchlicki enfatiza que empréstimos e investimentos diretos iranianos na dilapidada infra-estrutura cubana da era soviética são o quarto pilar de sustentação financeira da ilha, além de petróleo da Venezuela, créditos bilaterais da Rússia e China e capital corporativo da União Europeia, Canadá e América Latina.
O embargo de Cuba pelos EUA (que só pode ser revogado pelo Congresso) é um anacronismo da Guerra Fria e eu considero que deva ser suspenso; e o empenho do governo Obama por um acordo nuclear é uma cartada arriscada, embora eu acredite que no momento seja a mais palatável das alternativas. No entanto, não podemos ter ilusões sobre o preço pago. Com os lances de aproximação, negociação e estabelecimento de acordos, os EUA contribuem para a sobrevida e legitimidade de dois regimes delinquentes.

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