terça-feira, 3 de março de 2015

IMB- O livre comércio de órgãos salvaria inúmeras vidas

Se o preço máximo da comida no Brasil fosse zero, quem ofertaria comida? Ficaríamos todos na fila da caridade, morrendo de fome.
É isso que acontece com a demanda por órgãos. É permitido transacionar órgãos e sangue no Brasil, desde que o preço seja zero. Ao mesmo tempo, as filas de doentes à espera de doadores demoram para andar; pacientes morrem na espera. Não é coincidência.
Todo mundo paga dinheiro para cortar cabelo; alguns vendem cabelo. Muitos furam suas orelhas para pendurar adereços, ou injetam tinta sob a pele. Paga-se altas somas para esticar superfícies, sugar gordura, implantar silicone, corrigir narizes. Vende-se sexo e trabalho braçal. Por que o corpo pode ser objeto de comércio para esses usos, e não quando vidas estão em jogo?
Imagine se a necessidade de transplantes fosse tão universal quanto a de comida ou água, e continuássemos com a nobre prática do preço zero, com a moralíssima proibição de venda desse bem tão valioso. Comida e água também podem ser vistos como sagrados, como diretamente ligados à vida; não seria também um sacrilégio submetê-los ao sistema de preços? Pagaríamos a suposta pureza moral com a morte de fome e sede.
Todo mundo aceita que não há nada de errado em se tirar os órgãos de um morto para salvar vidas. E muito embora doar órgãos depois de morto seja uma decisão sem custos reais, mesmo assim muita gente não doa, por decisão própria ou da família. Famílias que não se dão ao trabalho de permitir a doação interessariam em permitir a venda.
A mesma autonomia sobre si deveria valer para quem decide doar órgãos ainda vivo. Já é permitido tirar órgãos não-vitais, desde que a preço zero. Por que não permitir também a venda? Quem dá um órgão, vivo ou morto, dá um valor enorme a quem o recebe. Não há nada de injusto que essa pessoa (ou seus herdeiros) receba esse valor. Isso serviria até como um incentivo para as pessoas se cuidarem. Sei que meus órgãos têm valor e que podem me render uma grana quando eu precisar, e que serão parte do patrimônio deixado quando eu morrer; mais um motivo para mantê-los em bom estado.
Com o comércio legal de órgãos, teríamos mais doadores. Há uma demanda consistentemente maior do que a oferta, que é mantida artificialmente baixa graças à política do preço zero. Permita que os preços subam, que doadores sejam recompensados pelo valor que ofertam, e mais vidas serão salvas.
Muita gente é contra a ideia por se dizer preocupada com os pobres, que não teriam dinheiro para comprar um órgão. Mas quem precisa de transplante e não tem dinheiro continuaria na fila do SUS — agora mais curta —, que compraria os órgãos e os repassaria de graça, como já faz com tantos outros tratamentos.
O mercado de órgãos não elimina doação voluntária e nem o repasse gratuito, assim como o mercado de comida não elimina a doação de comida. Há fundos de doação para ajudar vítimas de desastres ou crianças com câncer; haverá fundos para comprar órgãos para quem precisa.
A lógica da fila, favorita de uma ética irracional e pouco preocupada com a realidade, dará lugar à lógica do valor, sem por isso proibir a fila. O saldo final é mais órgãos doados, e portanto mais vidas salvas.
Outros olham para o lado da oferta: não seriam os mais pobres justamente os que teriam mais incentivo para vender seus órgãos? Talvez. Agora eu é que pergunto: isso seria ruim? Ao se permitir que a pessoa venda seus órgãos, não se a está obrigando a nada; apenas dando-lhe mais uma opção para aliviar sua pobreza.
É ruim viver com um rim a menos. Pior ainda é morrer pela falta do transplante. Se um lado quer o rim e tem o dinheiro, e o outro quer o dinheiro e está disposto a ficar sem o rim, deixe que se ajudem.
Muitos pobres venderiam seus órgãos? É possível. Mas se eles próprios preferem alguns milhares de reais ao órgão funcionando (e aí cabe difundir a informação correta sobre os efeitos futuros), é porque julgam que estão melhor assim. E não precisamos ser tão radicais: muita gente gostaria, por exemplo, de dar sangue periodicamente para complementar a renda. Privá-los de uma opção de ganhar dinheiro não ajuda em nada; só agrava sua pobreza.
Cabe lembrar que estamos falando de um mercado que já existe. O comércio de órgãos opera ilegalmente e, como toda atividade que é empurrada para a ilegalidade, tende para a violência e falta de informação. Legalizar o comércio é tirá-lo das mãos de criminosos, de pessoas que são boas em coagir, defraudar e matar e não em prestar serviços que atendam a necessidade de seus clientes.
Em 2012, um chinês pobre e menor de idade, do meio rural, vendeu um rim para comprar um iPad. Péssimo negócio; talvez ele nem estivesse ciente do que estava abrindo mão. Mesmo assim, mesmo com a insegurança do mercado atual, dado que a venda voluntária é uma realidade difundida e duradoura, conclui-se que muitas vezes ela beneficia o vendedor; são os milhões de casos que não viraram notícia.
Se um indivíduo em dificuldade pode melhorar de vida via transplante de uma parte que não lhe é necessária, ou melhor, que vale menos para ele do que o dinheiro a ser recebido, é ótimo que ela possa optar.
Por fim, para você que permanece indignado com a ideia da venda de órgãos, que acha que trocá-los por dinheiro viola a dignidade humana (embora dá-los de graça seja legítimo e até admirável), e que tem certeza de que nada justifica essa profanação do corpo, a solução é fácil: não venda. E quando você ou um ente querido estiver na longa fila de doações, aguardando a morte chegar, não compre.

Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia e escreve no site spotniks.com." Siga-o no Twitter: @JoelPinheiro85 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.