segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Antonio Ribeiro- Paris, capital do mundo livre

A simbologia foi forte. Começou em uma praça chamada República e terminou em outra, a da Nação. Entre os dois pontos, mais de 1,5 milhão de pessoas caminharam por uma linha reta, o bulevar de 2,85 quilômemetros de distancia cujo nome honra a memória de Voltaire — reformista francês celebre pela defesa das liberdades individuais, direitos civis, destemido e habil com a sátira para fustigar a hipocrisia do clero e da nobreza durante o Iluminismo.
Nem quando foi libertada da ocupação nazista, menos ainda depois da conquista francesa da Copa de 1998, tantos — e diferentes — foram às ruas motivados pelo mesmo sentimento. Os que conheciam Charlie Hebdo, jornalzinho tinhoso de 45 mil exemplares por semana, os que nunca leram uma linha ou riram de suas caricaturas, os que nunca ouviram falar seu nome, se identificaram com ele. Bradavam uma palavra singela de significado imenso: “Liberdade”. Já escorreu muito sangue da espada e tinta da pena para entrega-la assim, na bandeja.
Até alguns corretos da política da hora que, não faz muito tempo, empunharam cartazes em que se lia “Sorry”, desculpando-se pela publicação das caricaturas de Maomé, hoje informavam de vários modos: “Je suis Charlie”. Poderiam ter  dito desta vez, “Pensei melhor, logo sou Charlie.”
O inédito não parou por aí. O cortejo foi encabeçado, logo atrás dos parentes e amigos das 17 vítimas do atentado terrorista, por mais de 50 chefes de estado. Estavam lá de braços dados François Hollande, Angela Merkel, David Cameron, Mariano Rajoy, Matteo Renzi. E também, contribuindo com a preciosidade do momento, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, o representante russo e o enviado ucraniano.
Muitos acharam que era uma temeridade reunir tantos quando ainda se sente odor de pólvora expelido pelas Kalachinikov dos terroristas. Finalmente, não houve nem um mísero incidente ou uma banalidade do cotidiano que irrita o parisiense, cujo estresse é tido como traço de identidade. (Talvez, vá lá, o tombo da primeira ministra da Dinamarca na escadaria do Palácio do Eliseu) O dispositivo policial parecia bem modesto para a envergadura do evento. Ou melhor, foi diluído na gigantesca massa humana. Ordeira e pacífica. O medo foi vencido com serenidade.
Mais cedo, François Hollande declarou que neste domingo invernal e ensolarado, Paris era o centro do mundo. Pode-se argumentar que o “presidente modesto” tenha exagerado na dose do tinto que regou o almoço para seus ilustres convidados. Mas é inegável que, pelo menos no senso figurado, Paris foi nestas 24 horas, a capital do mundo livre. Isso porque, mais uma vez, na prática, respondeu de forma exemplar à ameça terrorista. Ela também inédita e teimosa.
Assista vídeo exclusivo do Blog de Paris feito na manifestação: República atacada pelos corvos.
Por Antonio Ribeiro

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