segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Caio Blinder- Se oriente, Japão!

E o Japão? Como está o Japão? A gente fica na conversa interminável (e amarga) sobre a América Latina no fundo do poço, o poço de sempre que é o Oriente Médio, a poço de lama que é a agressão russa na Ucrânia, o poço disfuncional de Washington e a China expandindo o seu poço. Assim, parece que condenamos a terceira economia mundial a uma irrelevância global, um poço esquecido.
Claro que não, o Japão não parece, mas é vital. Tem até um raro caso de líder do mundo maduro e democrático que é vigoroso e consegue ser reeleito em um cenário de estagnação. Os japoneses deram no domingo uma terceira chance a Shinzo Abe, 60 anos, com as eleições parlamentares que ele convocou às pressas, justamente para ter um mandato mais assertivo. A eleição foi um referendo sobre o programa de revitalização econômica de Abe (“Abenomics”), no cargo há dois anos (ele teve uma primeira, fugaz e frustrante experiência de um ano em 2006/2007).
O desfecho é discutível, apesar das aparências de triunfo. Abe é vigoroso, mas não a sociedade que lidera. O seu partido conservador, o Liberal Democrata, e o aliado budista Komeiro conseguiram manter a supermaioria de 2/3 das cadeiras na Câmara Baixa do Parlamento (e desta forma podem passar legislação sem a Câmara Alta). No entanto, foi o mais baixo índice de comparecimento às urnas na história democrática do Japão: 52.4%. O. Os eleitores não se motivaram com a alternativa, os desmoralizados oposicionistas um pouco à esquerda do Partido Democrático do Japão.
Os japoneses estão desanimados, o que condiz com duas décadas de estagnação de uma economia famosa por milagres. Abe gostaria de ser o santo milagreiro, tirando o Japão de sua deflação e impulsionando o crescimento (no terceiro trimestre a economia contraiu acima das expectativas). Ele colocou em prática uma política econômica ambiciosa das três flechas, mas nem tudo foi certeiro. As duas primeiras foram afrouxamento monetário e estímulos fiscais.
Agora com este novo mandato, ele precisa mostrar coragem (e não ser “complacente”, como alertou no domingo) para disparar a terceira flecha: as reformas estruturais. Os dois obstáculos clássicos são: acabar com o protecionismo do setor agrário e desregulamentar o mercado de trabalho, em um país geriátrico e no qual os jovens estão desmotivados para trabalhar.
Abe tem ainda uma quarta flecha, bem afiada: uma política externa mais agressiva que rechaça o pacifismo japonês do pós-guerra. Tal postura traz um certo alívio para os aliados americanos cansados de guerra, mas inquieta muito a vizinhança no Pacífico, a destacar China e Coreia do Sul, furiosos com o revisionismo histórico japonês.
O Shinzo Abe mais assertivo com este novo capital político deverá intensificar as tensões geopolíticas no Pacífico. E basta olhar o calendário: 2015 está aí, 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial. É um momento de muito dilema para Shinzo Abe, com seu vigor mais nacionalista. Ele desafia as exigências chinesas por mais desculpas pelo comportamento atroz do Japão na Segunda Guerra, mas precisa se ajustar à realidade econômica que é garantir o mercado chinês para as empresas japonesas, especialmente no setor de serviços.
O samurai Shinzo Abe dá muita flechada. Sua tradição é acertar muito (como convocar estas eleições), mas também errar muito o alvo.

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