quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Brasil precisa de esforço fiscal de 4% do PIB

Um dos gestores mais respeitados do Brasil é, sem dúvida, Luís Stuhlberger, do fundo Verde, hoje parte do Credit Suisse Hedging-Griffo, mas que se tornará independente em 2015. Quem acompanha suas cartas sabe que o grau de pessimismo para com o cenário brasileiro vem aumentando. Na carta de novembro, temos o desenrolar de um legítimo filme de terror.
O gestor define 2014 como “um ano de surpresas”, a começar pela abrupta queda na produção de veículos, de 15% em relação a 2013. Isso num setor que contou com vários benefícios do governo, como proteção comercial (aumento de IPI para importados) e subsídios. Apesar da forte queda da produção, o nível de estoques aumentou quando visto em dias de venda. Como ficará o setor agora que o IPI deve retomar ao patamar antigo?
Essa preocupação pode se estender para toda a economia. Há uma clara necessidade de ajuste fiscal, mas ele virá justamente em uma fase já bastante ruim da economia. O gestor aplaude a escolha de Joaquim Levy, um “fiscalista” ortodoxo, mas lembra que não basta o resgate da reputação por meio de um nome forte. No final do dia, os dados importam. E o Brasil ainda vai amargar dados bastante negativos.
A carta compara o momento atual com o ajuste de 2002/2003, mostrando que naquela época o cenário era bem diferente. O resto do mundo ajudou, e o próprio Brasil tinha dados bem mais confortáveis, mais espaço para ajustes, seja pela inflação, seja pelo aumento da carga tributária. Hoje o cobertor é curto demais, e alguns setores serão “chamados” a pagar a pesada conta. E o tamanho do pepino é impressionante:
Qual é o drama hoje? Em nossa conta, temos um déficit primário recorrente de 0,7% do PIB. O resultado primário que estabiliza a dívida está caminhando para 3% do PIB. Ou seja, para chegarmos a um nível de resultado primário que estabilizaria a dívida, teríamos de promover um ajuste de quase 4% do PIB. Trata-se de uma tarefa extremamente complexa, e ainda há alguns agravantes. 
Em primeiro lugar, a carga tributária era bem mais baixa lá no passado, e, portanto, havia mais espaço para aumentar, como o que de fato ocorreu. Em segundo lugar, mas bem relevante, o crescimento nominal do PIB foi muito forte em 2003/2004. O governo é o maior “sócio” da inflação, dado que a receita sobe com a inflação, e os gastos são corroídos por ela. O PIB nominal cresceu 15% em 2003 e 14% em 2004. Esperamos um crescimento do PIB nominal em 2015 e 2016 da ordem 7% a 8% ao ano e, com isso, uma capacidade mais restrita de fazer o gasto ser corroído pela inflação. 
Sem crescimento econômico, realizar ajustes tão pesados será realmente um desafio e tanto. O gestor espera “crescimento” zero para 2015 e possivelmente 2016 ainda, e depois algo entre 1,5% e 2%. Arrisco dizer que sua previsão ainda parece otimista, pois eu apostaria em uma recessão ano que vem. Como efetuar o ajuste fiscal nesse contexto?
Especialmente quando sabemos que Brasília ignora o conceito de “restrição orçamentária”. Nos últimos anos, como diz a carta, o governo acreditou em “almoço grátis”. Joaquim Levy chega para supostamente mudar isso. Não fará muitas amizades, e já possui poucos amigos no governo. Como será esse relacionamento quando os perdedores sentirem no bolso o ajuste?
E como aumentar ainda mais a carga tributária, que já chega a quase 40% do PIB, com esse ambiente de insatisfação popular? Os números são dramáticos, segundo as estimativas do gestor:
Nas nossas contas, se o novo ministro conseguir manter o gasto público em termos reais no mesmo nível de 2014, ainda assim teríamos um déficit primário de 0,2% do PIB. Ou seja, para chegarmos ao 1,2% prometido, precisaríamos encontrar 1,4% do PIB de carga tributária a mais. Esse cenário foi construído com a hipótese bem irrealista de que não haverá aumento de gastos em 2015 (mesmo que o salário mínimo suba aproximadamente 9% no ano, como está na lei). Se, ao contrário, os gastos públicos subirem 3% acima da inflação, o aumento de carga tributária que faz o primário chegar a 1,2% do PIB é de 2% do PIB (R$ 110 bilhões, aproximadamente). E isso entregaria praticamente a metade do ajuste necessário, faltando para 2016 a entrega da outra metade – que, vale dizer, não chegaria ao nível do superávit primário que estabiliza a dívida. 
Mais impostos significam margem de lucro menor para as empresas. O Ibovespa, que já está abaixo de 50 mil pontos, inevitavelmente sofreria com isso. Como os investidores vão reagir? Qual será o clima para investimentos nos próximos anos com esse ambiente de queda de atividade, alta inflação, margem de lucro comprimida, e incertezas políticas?

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