terça-feira, 11 de novembro de 2014

IMB-Não há nada de errado com a publicidade infantil



falei sobre publicidade infantil em outras oportunidades, principalmente com o viés econômico. Vou aproveitar este momento em que o ENEM ressuscitou o tema para falar mais sobre o lado pessoal da coisa.


Publicidade infantil é ótima e deveria continuar. Sim, ninguém adora propaganda; é sempre aquele tempo chato entre os blocos do programa, mas ela ainda assim tem seu atrativo. Outro dia, meu filho veio todo feliz cantar a "música do esqueleto", que logo vi se tratar de uma chamada publicitária do Disney XD. Eu, quando criança, adorava cantar uma música do Limpol da Bombril; ainda sei alguns trechos de cor.




Quem tem filho ou já foi criança — cada vez mais raro hoje em dia — sabe a alegria que o McDonald's representa. A comida gostosa, o brinquedo, o espaço de brincadeira; é tudo o que a criança mais quer. Hoje em dia não gosto muito de Mac, mas tenho memórias felizes lá, e não vejo nada de errado se meu filho também as tiver. Claro, não sou eu quem fica incentivando a ida ao Mac. Meu papel agora é outro: ser a voz que diz "hoje não", que a comida lá é pouco saudável, que em casa é melhor. Argumentos pouco persuasivos para uma criança ansiosa por cor, brinquedo, açúcar, gordura, folia e sal.


Agora, de vez em quando jantar no Mac, é claro que sim. Saúde não é tudo; prazer e alegria também importam, e nesta vida não existe a harmonia perfeita de todos os bens. No fim das contas, as próprias crianças descobrem que gostam mais de umas coisas e menos de outras. Em minha casa, cenourinha é campeã de audiência e o único que toma refrigerante sou eu.


Os apelos da propaganda e da biologia se somam a idiossincrasias e criatividade de cada indivíduo e família. É importante ter alguém para limitar esses apelos: limitar a tela, a guloseima, a rede social e a roupa da moda. Mas querer aboli-los é ir longe demais, e é sempre em vão. A civilização se constrói sobre a limitação dos instintos, mas também depende deles.


A propaganda dá à criança um contato com realidades da vida. A realidade dos desejos, por exemplo. O mundo, dentro e fora de casa, é um lugar de assédios, de muitos bens concorrentes que disputam nossa atenção, nosso gosto, nosso tempo e nosso bolso. Consumir não é feio. É parte necessária da vida. É bom. Aprender sobre preço e restrições monetárias também.


A propaganda nos indica alternativas existentes e suscita nosso desejo. Aprender a lidar com ela, e com a real distância entre o prometido e o entregue, é parte da vida. Não foi fácil para mim, aos quatro anos, aceitar que do Frutilly não saía um fantasminha, ou que o Halls não me refrescava como prometido, ou que os produtos da Apple não me transformaram num cara descolado e super criativo. Mas foi (e continua sendo) educativo.


Acho que por trás da proibição da publicidade infantil (lei infeliz que passou, mas até agora não pegou) há ansiedade e vaidade de pais e mães. Ansiedade porque queremos o melhor para os nossos filhos, e vivemos sob o medo irreal de que um detalhe aquém do ideal terá impacto deletério no longo prazo deles. Com filhos vindo mais tarde e em menor quantidade, tudo tem que ser absolutamente perfeito. Só que essa mesma ansiedade que exige perfeição deixa o pai incapaz de dizer um "não" ao pedido do filho, preferindo assim terceirizar a responsabilidade impossível que atribuiu a si mesmo. A esses, más notícias: as birras não vão parar; nem as gordices.


E vaidade porque, com mais recursos e mais tempo livre, queremos dar a nossos filhos uma infância idealizada que existe em nossa imaginação: a rejeição ao plástico, a exigência de que tudo seja educativo (Mozart para bebês), de que toda história tenha mensagens positivas (mas eles gostam mesmo é de mortes!) e não ofenda a ninguém, a alimentação perfeita. Queremos impor uma ideia de infância sobre a infância real.


Na infância real, o que importa mesmo é se divertir, é brincar e, sim, também competir com os amigos e imitar coisas do mundo adulto etc. No final das contas, ninguém consegue se ater ao plano — embora nem sempre o admita em público — e as frustrações e hipocrisias se acumulam.


A criança vive hoje numa bolha segregada da realidade. Proibimos palmada, proibimos propaganda, queremos proibir guloseimas, damos medalha para todos indistintamente ao mesmo tempo em que impomos padrões adultos de produtividade e uso do tempo, não toleramos o choro porque ele indica que não somos perfeitos, afastamo-las de todo e qualquer risco. Segregamos as crianças por idade, limitamos o tempo de brincadeira livre.


Proponho o caminho inverso: relaxe, cuide dos seus filhos com moderação e amor, deixe-os verem propaganda, saiba dizer não, e aproveite.


Se outro pai quiser criar a bolha para segregar seus filhos do mundo real, que crie; só não a imponha ao universo inteiro.

Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.

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