sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Caio Blinder- Ave, Obama

Ave, Obama, alea jacta est

O presidente imperial anuncia suas decisões sobre imigração
O presidente imperial anuncia suas decisões sobre imigração
A sorte está lançada para Barack Obama, para os republicanos e para a república americana. O presidente não é Júlio César, mas ele é culpado por ter concedido a si o título de imperador nesta cartada altamente arriscada de recorrer à ordem executiva para empreender a reforma da imigração.
O presidente atravessou o Rubicão (Júlio César, aliás, era general, não imperador, quando cruzou o rio em 49 A.C.)  com o discurso à nação que fez na noite de quinta-feira, anunciando que através de ordem executiva mais de quatro milhões de imigrantes ilegais estarão protegidos de deportação ou terão vistos de trabalho. Os benefícios são temporários e condicionais, com o presidente se desdobrando para dizer que não se trata de anistia.
O Obama que discursou na quinta-feira foi o mesmo que dissera em janeiro de 2013 que caso agisse de forma unilateral na questão da imigração estaria se convertendo em um imperador. No mês seguinte, ele repetiu: “Não sou imperador. Meu trabalho é executar as leis aprovadas e até agora o Congresso não atuou para mudar o que considero um sistema de imigração quebrado”.
Os republicanos não atuaram como o presidente gostaria. Mas, a realidade política é que, embora eles sejam alvo de mais antipatia popular do que os democratas, ampliaram seu poder nas eleições do começo do mês e agora controlam plenamente o Congresso. Existe a realidade de um Congresso disfuncional que merece ser tratado com exasperação.
Algo é preciso ser feito para ajustar a situação de milhões de ilegais, mas não na escala e da forma peremptória feita por Obama. Na expressão fulminante da revista The Economist, “a coisa certa feita de forma errada”. Ademais, a ordem executiva é um band-aid em uma crise espinhosa e o próximo presidente, caso seja republicano, pode simplesmente revogá-la.
Portanto, a sorte está lançada. Os republicanos acusam o presidente de abuso de poder e vozes mais estridentes do partido pedem o impeachment de Obama. Cabe agora à liderança partidária calibrar sua resposta agressiva ao gesto do presidente com o controle de sua base que ficará mais agitada do que nunca com um presidente que nunca engoliu.
Reações mais “moderadas” vão do fechamento parcial do governo em um novo duelo fiscal a congelamento de indicações presidenciais que devem ser aprovadas pelo Senado, passando por processos ou uma moção de censura. Errar na reação pode ser um tiro pela culatra para os republicanos.
Cálculos eleitorais precisam ser feitos. Como cativar o crescente eleitorado latino tão distante dos republicanos? Como desfazer a imagem de um partido meramente obstrucionista? O risco mais amplo é o Partido Republicano parecer hostil à noção dos EUA como uma terra de imigrantes.
Quanto ao cálculo de Obama, no mínimo, o presidente parece disposto nos seus dois últimos anos de mandato a explorar as fronteiras do Poder Executivo. Cartada muito arriscada. Os partidários de Obama recorrem à história. Ele é o presidente que firmou menos ordens executivas desde William McKinley (1897-1901). Assinou 193 em comparação a 291 de George W. Bush e 364 de Bill Clinton (estes dois últimos ficaram oito anos no poder).
Há também os casos solenes de ações executivas: Abraham Lincoln com a Proclamação da Emancipação que libertou os escravos e Harry Truman para acabar com a segregação racial no Exército. Claro que há hipocrisia republicana (como existe a de Obama). Basta ver a desenvoltura imperial de Bush em segurança nacional, apenas para ficar em um caso recente.
No entanto, o momento é outro, é este (and Mr. Obama, you are no Lincoln). Os americanos querem cooperação entre os poderes, entre os partidos. Eles querem o fim do cenário disfuncional em Washington e apostaram que isto deva ser feito com uma Casa Branca democrata e um Congresso republicano. Esta é a realidade.
A pesquisa de quinta-feira do Wall Street Journal/NBC News mostra que os americanos concordam com a necessidade de ajuste no status dos ilegais, mas discordam como o rio foi cruzado por Obama, remando sozinho. O ideal seria o Congresso, que toma posse em janeiro, trabalhar por uma legislação abrangente em imigração. No discurso de quinta-feira, ele desafiou os republicanos que questionam sua autoridade a forjarem uma lei a respeito. I have a dream(mais um).
O presidente se diz frustrado com a inoperância do Congresso, mas se revela um mau operador político, um presidente petulante. Agora, ele vai agravar a disfunção em Washington e talvez provoque uma grave crise constitucional.
A sorte foi lançada, para o azar dos americanos. Ilustrativo que Obama dará sequência à sua cartada nesta sexta-feira em um discurso em Las Vegas, a cidade dos cassinos.

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