quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DO BAÚ- VIDA EM CUBA- A urna, a maca, de Yoani Sánchez


A urna, a maca


boleta-anulada
Paredes azulejadas, uma divisória de lona verde e uma mesa metálica sobre a qual normalmente são colocadas seringas e algodão. Assim era o cubículo onde votei nesta manhã para eleger o delegado à Assembléia Municipal do Poder Popular. Situada no interior de um consultório médico que neste domingo fez às vezes de colégio eleitoral para os vizinhos da zona. “Premonitório” pensei, nada demais em ficar só com minha cédula ao lado da ampla pia onde são lavados os implementos hospitalares. “Premonitório”, porque meu país está no “coma” da abulia e da apatia, e vai precisar de uma reanimação profunda – quase uma desfibrilação – para que os cidadãos tenham real poder de decisão. Após 36 anos de criação o sistema eleitoral vigente não nos convenceu – nem uma só vez – de que representa o povo face ao poder, ao contrário, nos acostumamos com o oposto.
Sendo assim que entre o odor de formol e a perspectiva de uma maca, anulei minha cédula. Depois de anos de abstencionismo decidi por participar desta vez de uns comícios que não mudaram absolutamente nada. Nenhum dos delegados ratificados nas urnas sequer poderá influir nos temas mais candentes da nossa realidade. Tampouco sabemos o que pensam sobre as grandes problemáticas cotidianas, pois a lei eleitoral só nos permite ter acesso a sua biografia e sua foto. De maneira que hoje no meu bairro fomos convocados a optar entre dois rostos, entre dois nomes e entre dois currículos… Por esses razões vários vizinhos e amigos – sabedores da futilidade de preencher a cédula – optaram por se abster. Porém eu queria “meter o nariz”, voltar a experimentar a falta de sentido de um papel que nada decide, nada muda e nada move.
Primeiro escrevi a letra “D”. Enorme como um grito sem voz, esbocei aquela inicial de um conceito longamente ansiado: “Democracia”. E o fiz em meio a um cenário clínico que se ajustava metaforicamente a meu gesto de anulação, com a urgente intervenção demandada pelos estamentos do Poder Popular neste país. Uma profunda cirurgia, uma extirpação extensiva da docilidade da Assembléia Nacional, um eletrochoque de liberdade para que os parlamentares deixem de aprovar por unanimidade e de aplaudir o tempo todo. Vamos precisar ressuscitar, renascer como sociedade e começar a nos comportar como tal.
boleta-voto
Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto

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