CURITIBA e BRASÍLIA — Pressionadas pelo volume de provas e
pelo alto risco de condenação, pelo menos duas grandes empreiteiras que têm
contratos com o governo estão negociando com o Ministério Público Federal um
acordo de leniência para confessar participação em desvios de dinheiro da
Petrobras e, a partir daí, obter redução de penas em processos criminais.
Essa é a primeira vez na História do país em que emissários
de grandes empreiteiras manifestam interesse em colaborar com a Justiça em um
caso relevante de corrupção. O acordo de leniência é uma espécie de delação
premiada para empresas acusadas de crimes.
Se concretizado, o acordo pode ajudar o MPF e a Polícia
Federal a desvendarem toda a estrutura da corrupção em torno de contratos e
obras da Petrobras que já vem sendo denunciada por Paulo Roberto Costa,
ex-diretor da estatal, e por ex-auxiliares do doleiro Alberto Youssef.
A iniciativa de propor o acordo de leniência partiu das
empreiteiras. Representantes de pelo menos duas delas fizeram contatos com
integrantes da força-tarefa encarregada das investigações da Operação
Lava-Jato, oferecendo-se para uma possível delação. Os procuradores gostaram da
ideia, mas advertiram que as empresas precisarão de fato colaborar com as
investigações se quiserem se livrar de parte de futuras punições.
— Estamos conversando com mais de uma (empreiteira). Não
negamos a possibilidade de um acordo de leniência. Mas as exigências são
grandes. Só vamos aceitar se as exigências forem cumpridas — disse ao GLOBO uma
das autoridades responsáveis pelas investigações.
EMPREITEIRAS TERÃO DE CONFESSAR CRIMES
Nos primeiros contatos, os procuradores explicaram aos
representantes das empresas que elas terão de confessar os crimes cometidos,
pagar multas proporcionais aos danos causados aos cofres públicos e se
comprometer a não cometer novos delitos. As empresas teriam que adotar práticas
de boa governança como transparência, lisura e retidão. A Siemens, envolvida em
fraudes no metrô de São Paulo, já fez esse acordo na Alemanha.
As duas empreiteiras interessadas no acordo de leniência
estão entre as sete maiores do país, segundo a fonte do GLOBO. Representantes
dessas construtoras procuraram o Ministério Público porque sabem que têm poucas
chances de escapar de pesadas condenações. Os procuradores já estão, inclusive,
preparando ações para responsabilizar empreiteiras por lavagem de dinheiro. A
acusação terá como base os depósitos das empreiteiras na MO Consultoria e na
GFD, empresas vinculadas ao doleiro Alberto Youssef.
Não há prazo para os acordos de leniência serem fechados. O
resultado final depende do grau de colaboração de cada empresa com as
investigações da Operação Lava-Jato.
As revelações da contadora Meire Poza de que o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o deputado André Vargas (sem partido-PR)
ajudaram o doleiro Alberto Youssef nas negociações com fundos de pensão de
empresas estatais serão a nova munição da oposição na CPI mista da Petrobras.
O líder do Solidariedade na Câmara, Fernando Francischini
(PR), disse que vai apresentar requerimentos para ouvir os diretores do
Postalis, fundo de pensão dos Correios, e do Funcef, da Caixa Econômica. Mesmo
o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), não descartou que a CPI venha a
investigar o caso, embora tenha destacado que o foco da CPI hoje é outro.
Meire Poza já trabalhou para Youssef e, em agosto, prestou
depoimento à Polícia Federal indicando que teria sido feito um acordo para que
Renan Calheiros e André Vargas, na época filiado ao PT, ajudassem o doleiro a
fechar negócios com os dois fundos. As negociações, que renderiam R$ 50 milhões
a Youssef, não foram adiante porque o doleiro acabou preso em março, durante a
Operação Lava-Jato, da PF. O teor do depoimento de Meire foi revelado ontem
pelo GLOBO.
— Vamos apresentar requerimentos para saber com quem (entre
os políticos) os diretores dos fundos falaram — disse Francischini.
O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), defendeu que o
caso dos fundos de pensão também seja investigado na CPI. O partido já pediu
que Meire Poza preste depoimento na comissão, mas o requerimento até agora não
foi votado.
Ontem, o fundo de pensão dos Correios, o Postalis,
confirmou, em nota, que havia recebido proposta para que fizesse um
investimento Marsans Viagens, uma das empresas de Youssef. O Postalis afirmou,
no entanto, que a proposta foi rejeitada, e que a decisão não foi tomada por
conta da prisão doleiro, cuja ligação com a Marsans nem seria de conhecimento
do fundo de pensão. “A decisão foi eminentemente técnica”, diz a nota.
Segundo o Postalis, no dia 28 de março, 11 dias após a
prisão do doleiro Youssef, um parecer técnico recomendou a rejeição da
proposta. A negativa foi referendada em reunião do comitê de investimentos um
mês depois.
“O investimento teve parecer negativo por parte da equipe de
analistas da área financeira e, em seguida, pelo Comitê de Investimentos do
Postalis, conforme ata de 28/04/2014 daquele comitê. Não havia nada na
documentação analisada que pudesse ligar o papel aos senhores Paulo Roberto
Costa e/ou Alberto Youssef. O Postalis nunca teve conhecimento de que o
investimento tivesse qualquer relação com essas pessoas”, diz a nota.
RENAN DIZ QUE NUNCA OUVIU FALAR DE YOUSSEF
Renan Calheiros negou, em nota, conhecer Youssef. Disse
também que sequer tinha ouvido falar do doleiro antes dos fatos relacionados a
ele se tornarem públicos. “Portanto, a possibilidade de ter me encontrado com a
referida pessoa a qualquer pretexto é zero. Também é zero a chance de ter
tratado de temas não republicanos com qualquer pessoa”, afirmou Renan, na nota.
O ministro Teori Zavascki, do STF, informou que a CPI da
Petrobras tem o direito de convocar quem quiser para prestar depoimento,
inclusive Paulo Roberto Costa. Segundo o ministro, não cabe a ele autorizar ou
vetar a presença de alguém na comissão. A explicação foi dada em resposta a
pedido de autorização feito pelo presidente da CPI, senador Vital do Rêgo
(PMDB-PB), para o depoimento de Costa ao Congresso na próxima quarta-feira.
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