segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Caio Blinder- Putin, o improvisador

Instituto Blinder & Blainder é grato ao nosso homem em Moscou. Como ele já rendeu colunas! “Glorious”, diria nosso querido personagem Borat. Nos idos de fevereiro/março, quando a crise ucraniana estava igualmente quentíssima, o presidente russo rendeu séries de colunas: Putinadas & Patinadas, O Samba do Russo Doido e os adjetivos se sucediam nos títulos. Tivemos maquiavélico, impulsivo, revisionista e perdedor. Na sexta-feira passada, foi a vez de Putin, o acidental.
A inconsistência nos adjetivos não é culpa minha. É do nosso homem em Moscou. Na última semana, o nosso homem em Washington precisou se desdobrar para remendar o estrago que foi dizer em entrevista à imprensa que não tinha ainda uma estratégia para combater o terror islâmico na Síria, aquele país no Oriente Médio em guerra civil há três anos. No caso do presidente que já mereceu tantos adjetivos na coluna talvez ele também não tenha um grande plano ou uma estratégia delineada. Dentro de casa, porém, ao contrário de Barack Obama, Putin não precisa se desdobrar tanto para explicar suas palavras, atitudes e bobagens diante da sociedade e do Congresso. A imprensa é manietada e a opinião pública ainda está deslumbrada com o espetáculo triunfalista que resultou na anexação da Crimeia.
Existe consistência para mentir sobre a intervenção russa na Ucrânia, mas ultimamente o nosso homem em Moscou se mostra inconsistente e incoerente. Há dias em que ele acena com conciliação e em outros é um gangster fazendo extorsões. Há momentos em que o presidente russo parece buscar uma fórmula para se livrar da encarascada que é sua aventura ucraniana, mas em outros ele parece determinado a ir para a briga como um bully. Enquanto reforça seu engajamento militar direto, o governo russo é capaz de pedir uma trégua “incondicional” no conflito, como fez nesta segunda-feira o chanceler Sergei Lavrov.
No domingo, por exemplo, Putin disse que deveria haver uma conversa entre o governo de Kiev e os separatistas sobre “soberania” no leste do país. Em seguida, um porta-voz do Kremlin disse que a declaracão não era um endosso por independência da região. Sem dúvida, a inconsistência pode ser tática de um ex-agente da KGB para confundir o outro lado. Em uma mesma entrevista, Putin mescla ameaças com apelos a negociações.
No entanto, é plausível especular que as coisas talvez estejam fora de controle, seja na estrutura de poder do governo, seja dentro da cabeça do nosso homem em Moscou. O sistema é composto de veteranos do aparato de inteligência e de oligarcas que sobreviveram às guerras intestinas da elite pós-soviética. Há setores de uma linha dura com desígnios imperialistas e outros mais pragmáticos que estão conscientes dos limites da agressividade russa. O país hoje está conectado com uma economia global, precisa transacionar com o mundo.
Meu chute é que Putin não tomou decisões sobre como proceder na Ucrânia. Não quer que o país vizinho dê certo como nação soberana ou na órbita europeia, sem falar é claro do pecado que seria se integrar à Otan, a aliança militar ocidental. Nada disso está no horizonte próximo. A realidade presente é uma Ucrânia capenga, contundida por própria fraqueza interna e também pela desestabilização russa. A prioridade de Putin neste cenário é impedir a derrota militar dos separatistas para que ele tenha margem de negociação política, tanto com as autoridades de Kiev como com os dirigentes ocidentais. O risco é que o leste ucraniano seja transformado em uma zona permanente de conflito, algo possível sem uma resoluta atitude ocidental para enfrentar a Rússia.
Jonathan Eyal, do Royal United Services Institute, em Londres, avalia que Putin arrisca na crise como “um apostador”, acrescentando que “não devemos subestimar os elementos de improvisaç ão dentro do processo decisório russo”. Eyal arremata que a “estratégia é não ter uma estratégia”. Nada disso obviamente é consolo. Um Putin que improvisa pode ser mais perigoso do que um czar do grande e metódico plano, enquanto os planos ocidentais se mostram tímidos e vacilantes.
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