terça-feira, 5 de agosto de 2014

Yoani Sánchez- O Maleconazo numa lata de leite condensado


YOANI SÁNCHEZ, La Habana | 05/08/2014
Passávamos o tempo juntos no bairro de Cayo Hueso. Sua família ergueu várias casinhas de papelão num casarão devastado próximo da rua Zanja, semelhantes as que tinham em Palmarito Del Cauto. Chamava-se Maceo e alguma coisa no seu rosto lembrava aquele titã de tantas batalhas, apenas sua última e principal escaramuça não foi a cavalo, mas sim sobre uma frágil balsa. Quando eclodiu o Maleconazo somou-se a gritaria e escapou antes das prisões. Não quis regressar para sua casa porque sabia que a polícia o estava procurando.
Foi-se só, sobre uma estrutura feita de duas câmaras de caminhão infladas e tábuas amarradas por cordas. Sua avó armazenou a água num tanque de plástico e lhe deu uma lata de leite condensado que guardava há cinco anos. Era um daqueles produtos vindos da URRS cujo conteúdo – no longo trajeto de barco – chegava endurecido a Ilha. Minha geração cresceu tomando aquele leite açucarado e misturando-o com tudo que nos passasse em frente. Dessa forma Maceo juntou a lata aos escassos víveres – mais como amuleto do que como comida – e partiu do mesmo esconderijo de San Lázaro.
Nunca chegou. Sua família esperou e esperou. Seus pais procuraram nas listas dos detidos na base naval de Guantánamo, porém seu nome não estava entre eles. Perguntaram a outros que afundaram muito próximos da margem e que tentavam voltar a sair. Nenhum sabia de Maceo. Indagaram nos necrotérios onde eram guardados os restos dos que chegavam mortos a margem. Naqueles lugares lúgubres viram de tudo, porém nunca o seu filho. Um jovem lhes disse que próximo aos primeiros recifes havia dado com uma balsa sem ninguém, flutuando no nada. “Estava vazia – confirmou-lhes – só tinha uma parte de um pulôver e uma lata de leite condensado.
Tradução por Humberto Sisley

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