domingo, 24 de agosto de 2014

Yoani Sánchez- Caricatura feminina

Uma mulher diz na televisão nacional que seu marido a “ajuda” em algumas tarefas domésticas. A frase poderia soar a muitos como a aspiração máxima de cada fêmea. Outra senhora afirma que seu esposo se comporta como uma “federada homem”, em alusão a Federação de Mulheres Cubanas (FMC) que hoje chega ao seu 54 aniversário. Eu, do lado de cá da tela, sinto pena alheia ante tanta mansidão. Ao invés das reivindicações urgentes que deveriam mencionar, só escuto esses agradecimentos que dirigem a um poder tão varonil como surdo.
Não se trata de “ajudar” a esfregar um prato ou cuidar das crianças, nem tampouco das ilusórias cotas de gênero que escondem tanta discriminação como uma bofetada. O problema é que o poder econômico e político continuam majoritariamente em mãos masculinas. Que porcentagem de proprietários de automóveis é de mulheres? Quantas propriedades rurais têm uma mulher como proprietária ou usufrutuária? Quantos embaixadores cubanos em missão no estrangeiro levam companheira? Alguém pode dizer o número de homens que pedem licença paternidade para se ocuparem dos seus filhos recém nascidos? Quantas jovens são detidas a cada dia pela polícia para serem advertidas que não podem caminhar com um turista? Quem assiste majoritariamente as reuniões de pais nas escolas?
Por favor, não tentem “nos enrolar” com cifras no estilo de que “65% dos nossos quadros e 50% de nossos dirigentes de base são mulheres”. O único fato que esta estatística aponta é que sobre nossos ombros agora recai mais responsabilidade, o que não significa nem maior nível de decisão nem direitos mais amplos. Ao menos em frase tão triunfalista fica esclarecido que são os “dirigentes de base”, pois já sabemos que a tomada de decisões em instâncias mais altas é feita por homens que cresceram sob os preceitos de que as mulheres são um adorno bonito para se ter a mão… Sempre e quando mantivermos a boca fechada.
Sinto pena pelo dócil e tímido movimento feminista que existe no meu país. Vergonha por essas senhoras com colares ridículos e maquiagem abundante que saem nos meios oficiais para nos contar que “a mulher cubana tem sido a melhor aliada da Revolução”. Palavras ditas no mesmo minuto em que um gerente de empresa assedia sexualmente sua secretária, que uma mulher golpeada não consegue uma ordem de afastamento para seu marido abusador, que um policial diz a uma vítima de acosso sexual: “bem, é que com essa saia que você vestiu…” E que o governo recruta tropas de choque para um ato de repúdio as Damas de Branco.
As mulheres são a parcela da população que mais motivos têm para gritar sua inconformidade. Porque meio século depois de fundada a caricatura de organização que é a FMC, não somos nem mais livres, nem mais poderosas e nem sequer mais independentes.
Tradução por Humberto Sisley

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