sábado, 5 de julho de 2014

Que fim levou a esquerda honesta?

Recebo de um amigo um texto de um esquerdista lacaniano atacando a “nova direita”, inclusive minha pessoa. Trata-se de um relato um tanto inocente, à primeira vista, sobre a suposta decadência dos representantes da direita. Ele conta como seu avô, homem pelo visto sábio, tentava lhe incutir os valores e o hábito da leitura de autores de direita, como Paulo Francis e Roberto Campos, que ele chama de Bob Fields, termo pejorativo usado pela esquerda nacionalista.
Simulando uma suposta nostalgia em relação a esta direita mais nobre, o autor diz: “Havia ainda outro lado da direita liberal. Sua capacidade de erudição, seu gosto cultivado e seu exercício da ilustração. Independente do sentido aristocrático ou popular deste tipo de virtude, ela não vinha sem alguma humildade, característica daqueles que sabem o tamanho do problema que se está a enfrentar”.
Quer dizer que a “nova direita” não tem humildade? Mas se esta é a premissa básica para toda a proposta liberal de descentralização de poder e redução do estado, uma vez que não somos clarividentes ou incorruptíveis para substituir um processo de ordem espontânea envolvendo bilhões de agentes! Vai ver humildade tem a esquerda que clama sempre por mais poder, para tutelar os outros, controlar cada detalhe da economia, “cuidar” do povo por meio do paternalismo.
Após fazer concessões aos mortos, que não podem mais incomodar com respostas e novos textos, o lacaniano passa ao presente com todo o seu fel:
Gostaria que meu velho avô Colin voltasse para este mundo, apenas para ver ao que se reduziu o pensamento de direita e quiçá dar-me razão, pelo menos uma vez, senão em vida, depois da morte. Talvez ele tenha prenunciado os novos tempos quando em um de seus últimos gestos renunciou à revista Veja dizendo que aquilo tinha virado propaganda de remédio aplicada à política. Quando leio Reinaldo Azevedo, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Rodrigo Constantino e os chamados neoconservadores eu me pergunto: o que aconteceu com a tênue, mas boa, tradição da direita ilustrada brasileira? Que fim levou o pessoal que realmente acreditava nas ideias de Milton Friedman, que queria discutir Ayn Rand ou que, no geral, tinha teses para interpretar o Brasil? 
Algo me diz que seu avô iria, ao contrário, puxar sua orelha lacaniana! Eu, um “neoconservador”? Não sei se o sujeito sabe, e se não sabe deveria pesquisar um pouco melhor antes de acusar os demais: tenho um livro inteiro só sobre Ayn Rand! Tenho vários artigos sobre Milton Friedman, e estou trabalhando para traduzir novamente um de seus clássicos para o português. Que fim levaram aqueles que defendem o liberalismo clássico? Ora, continuam na ativa, lutando contra certos lacanianos que casaram Marx com Foucault!
Mas eis onde o homem quer realmente chegar: blindar as críticas ao PT, partido bolivariano que ameaça nossa própria democracia. Ele diz, atacando-me diretamente com a questão da “paranoia” com o logo e ignorando tudo aquilo que o PT faz abertamente para misturar estado com partido:
Gostaria de dizer para meu velho avô: olha aí, aquilo deu nisso. Mas não é verdade. Há uma espécie de erro de continuidade neste filme onde, de repente, aparece um pessoal dançando uma espécie de “Lepo Lepo” sanguinário contra o PT. Uma espécie de macarthismo retórico contra tudo o que cheire, pareça ou suporte a projeção vermelha. É uma turma que surge do nada, fantasiada de Capitão Nascimento, dizendo coisas que nem o Maluf do “estupra, mas não mata” seria capaz de dizer. Há uma fratura de gerações na direita, que de repente deu a luz a espécimes mutantes capazes de argumentar que o “2014” escrito em vermelho no logotipo da Copa do Mundo só pode ser uma propaganda subliminar da esquerda. Se o poder perdeu a vergonha, a reflexão de direita sobre o poder transformou a crítica em pichação. 
Então quer dizer que apontar insistentemente que o PT representa o atraso, o autoritarismo, o bolivarianismo, a ameaça socialista em nosso país, não passaria de um “macarthismo”? Ele, o lacaniano, é o moderado, pois entende que o PT tem seu lado positivo e que seus inimigos são “radicais” e “paranoicos”? Como se não bastasse, o psicanalista passa para o ataque aos currículos:
Ninguém viu, ninguém sabe como chegaram esses sujeitos a posições de reputada representação em grandes diários, revistas, canais de televisão ou blogs correlatos. Passagem pelo governo, partido ou qualquer outro órgão politicamente formativo: nenhuma. Experiência com movimentos sociais, terceiro setor ou com grandes corporações: desprezível. Reputação acadêmica da moçada: zero. Aliás, para esta turma, a academia deveria ser extinta, privatizada, vendida como ferro velho, ou comprimida e coada antes da floculação tendo em vista a extração vendável de pigmento vermelhiforme.
Reputação acadêmica: zero! É por isso que Luiz Felipe Pondé tem pós-doutorado no exterior? João Pereira Coutinho, conservador de boa estirpe que, com a minha idade, tem uma bagagem cultural de dar inveja no mais ancião dos anciões, não tem respaldo acadêmico? Reinaldo Azevedo não tem cultura? Diogo Mainardi não é culto nem tem humor? De onde o rapaz tirou isso? Da falta de capacidade de combater… argumentos? Precisa mentir assim? Quem teria cultura e refinamento, seu colega de editora Emir Sader? Mas, não satisfeito, ele aumenta o tom:
Da antiga indignação liberal, ainda que com a típica arrogância dos vencedores, que não obstante entendiam-se como guardiões da virtude, não sobrou mais que a raiva dos impotentes. Leia-se: a cólera esbravejante dos que acreditam que possuem mais poder do que realmente têm. Antes a velha direita cheirava a dinheiro e gostava de dizer-se acima de esquerdas ou direitas, pois era tão somente contrária à vulgaridade. Ao que a velha esquerda respondia com “o meu partido é um coração partido”. Hoje, denunciam, reagem e latem como caçadores baratos de celebridade. E o sentimento basal é de vergonha alheia. Com uma direita destas quem precisa de esquerda?
Raiva dos impotentes? Isso tudo é medo do nosso crescimento, de perder a hegemonia de esquerda? Cólera dos que acreditam que têm mais poder? Mas se repetimos para quem quiser ouvir que somos uns poucos gatos pingados contra uma horda poderosa e cheia de recursos estatais? Com uma esquerda dessas, quem precisa de direita? Mas como o ataque ad hominem não pode parar, já que faltam argumentos, o lacaniano continua:
Esta direita está mais para os ovos poché de minha avó do que para o Rush Limbaugh de meu avô. São quadrados, ásperos e chatos como uma torrada queimada. Os ovos são moles e espalham tudo com qualquer furinho à toa. Mas o pior é que ainda não entenderam que não é para sentar em cima do moedor de pimenta.
Chatos? Então falta humor a esse time? Poxa, com a quantidade de texto irônico que tenho, talvez até elogiando um sábio como ele? Com tantas ONGs que já criei para expor o ridículo das bandeiras esquerdistas? Um esquerdista acusar um conservador de falta de humor chega a ser… cômico!
A acusação de que é a direita que empobreceu o debate nacional é no mínimo pérfida, quando vemos o que a esquerda vem fazendo há décadas, rotulando, difamando, segregando, apelando para todo tipo de estratagema. Ignorar que foi o próprio PT quem conseguiu reduzir tudo a uma espécie de Fla x Flu, de nós contra eles, insistindo em uma retórica sensacionalista em vez de debater ideias e propostas, é algo que apenas a má-fé pode explicar.
Talvez seja esperar demais de um “pensador” que assina a orelha de um livro de Slavoj Žižek, aquele malucão que tenta resgatar Marx em pleno século 21. Talvez seja demais cobrar coerência de alguém que coordena um projeto de pesquisa com Vladimir Saflatle, do PSOL. A pesquisa, aliás, é sobre patologia do social. Estou mais interessado na patologia individual mesmo. Acho que Christian Dunker daria uma boa cobaia…
Como diria José Guilherme Merquior, que nem era de direita, mas sim um “liberal social”, e cuja erudição ninguém teria a coragem de quesionar: vamos parar de “lacanagem”!
PS: Sempre me questiono que tipo de gente ainda cai nessa ladainha toda típica de esquerdistas que simulam um respeito pela “antiga direita” que era, em sua época, difamada da mesma forma que a atual direita. Há que ser muito ingênuo para cair nesse truque de “moderação” seletiva.
Rodrigo Constantino

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