Ele tinha certa dificuldade em fazer amigos. Para
dizer a verdade não tinha nenhuma facilidade em se aproximar de alguém. Para
uns era um grande chato, para outros apenas um jovem profundamente melancólico.
Algo que Joel não sabia era sorrir, sempre taciturno, vivia para si. Naquela
cidade não havia por certo pessoa mais solitária e triste, sua única amiga era
uma televisão de 20 polegadas que dele não podia fugir. Do trabalho no banco
para casa e nada mais. Não tinha empregada em casa nem bichos para cuidar.
Pensou num cachorro, mas logo desistiu, não queria ter o trabalho de limpar sua
sujeira. Teve sua tragédia pessoal quando sua noiva o trocou por outra. Não
reagiu, não lutou nem um pouquinho para sair da tristeza, apenas entrou no baú
dos solitários. E foi assim que um dia sua própria sombra resolveu deixá-lo,
abandonando um corpo quase já sem vida. E quando o sol mostrava seu brilho e
calor Joel caminhava pelas ruas sem ter sequer a própria sombra por companhia.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
NICE
Esta é a curta história de Nice, uma doce bombinha,
faceira e formosa que apressadamente marcou um encontro com um pombo galã após
conhecê-lo pelo facebook. Embora avisada pelos familiares dos perigos de
encontros assim, não deu bola e foi. Usou seu melhor perfume e carregou na
maquiagem. O local combinado para o encontro foi um casarão abandonado na Vila
Dores. Chegaram ao local e foram para o sobrado. Já nas primeiras carícias o
tal pombo mostrou a sua verdadeira face. Ela ficou apavorada quando o dito
mostrou suas garras. Na verdade não era um pombo, mas sim um gavião disfarçado.
Azar da pobre pombinha que foi literalmente comida no primeiro encontro.
Restaram da Nice somente penas e sua nécessaire.
PAPO DA TARDE
Quase 18h e dona Zefa Fofoca estava na janela observando o movimento e destilando
veneno na companhia de Jureminha Bunda-de-Tábua, que vinha sem pressa da venda
e parou para um papo amigo. Falavam das coxas de fora da menina Matilde e da
barriguinha esquisita da filha da Norma-Bucheira. O falatório desenfreado é
quase lazer nas cidades pequenas. O conversê estava animado quando um ciclista
gorduchinho passou pela calçada e sem querer passou com o rodado da bicicleta
sobre a língua de dona Zefa que no momento estava em repouso sobre a calçada.
Foi para o hospital levada pelo SAMU sob os olhares risonhos da vizinhança. Jureminha e mais dois enfermeiros conseguiram
carregar a língua amassada. O ciclista fugiu pensando que havia passado por
cima de uma sucuri.
PÓ
Noite. Uma rua solitária na periferia. Um gato
malhado salta entre os telhados enquanto cães ladram ao vento. O excesso de
lixo caiu fora das latas e escorre pelo chão de terra. Baratas passeiam fugindo
dos pés dos meninos que brincam de bola na via. Mães e irmãs mais velhas chamam
para dentro os garotos de pés encardidos. É hora do banho e do jantar. Crianças
recolhidas, agora chegam automóveis com ocupantes que procuram nas esquinas
pelos empresários do pó. A lua e as estrelas observam o movimento. Dinheiro
para cá, pó para lá. Negócio feito lá e vão os loucos em busca de alucinações,
enquanto os empresários da farinha perigosa contam as notas. O inferno para
ambos os lados é logo ali.
A PIOR TEMPESTADE ESTAVA POR VIR
O céu ficou escuro e houve uma sensação de pânico
geral. As nuvens ruidosas pareciam cair sobre as casas. Ventos enfurecidos
revoltavam as melenas cobertas de poeira e faziam arder os olhos. Pequenos
galhos e folhas já corriam pelas ruas sem lugar para ficar. Placas
publicitárias de pernas fortes voavam como penas. As gentes fechavam suas
casas, cães e gatos eram recolhidos para lugares abrigados. Apressei o passo
para chegar logo em casa e fugir das nuvens ameaçadoras. Algumas lesmas pegaram
carona em pneus de bicicletas, enquanto outras eram rápidas em seus patinetes.
Entrei em casa a tempo de observar pela janela o mandatário- mor da cidade
passar voando em sua cadeira de trabalho. A secretária sentada em seu colo
fazia anotações e ajeitava os cabelos negros. Não muito distante dali a
primeira-dama já sabendo do fato, visto por centenas de olhos da comunidade,
tirava do baú um chicote de três tentos e dava lustro num cassetete de aroeira.
SEM SEGREDOS
Na tarde de ontem Reginaldo seguiu sua mulher e
então descobriu que era corno. Como nunca gostou de segredinhos foi até a uma
serigrafia e mandou estampar em seis camisetas ‘EU SOU UM CORNO’. Á noite
convidou os amigos para uma festinha e anunciar a entrada no clube. Na manhã de
hoje comprou um capacete viking e plantou uma placa no jardim da casa ‘AQUI
MORA UM CHIFRUDO APAIXONADO’. Como ela é
uma safada bem bonitinha, já tem vizinho perguntando quando a moça pretende
plantar mais um galho na testa do feliz.
O DEFUNTO INDIGNADO
Morreu D. Inácio Gomes. Velório grande na comunidade.
Coroas de flores de lotar estádio de futebol. Mas acontece que os Gomes não
gostam dos Fagundes nem perto, nem longe, coisa centenária. Pois não é que até
os Fagundes vieram prestar condolências ao falecido? Diante de tal afronta o
defunto pulou do caixão e de dedo em riste disse: “Se é para ser velado até
pelos Fagundes, eu não morro mais!”- E dito isso saiu porta afora esbravejando
contra tudo e todos.
MENINO OBEDIENTE
Renatinho é um menino obediente. A mãe o mandou comprar marshmallow. Não encontrou no supermercado perto de sua casa e seguiu em frente, sempre procurando. Isso faz quinze dias. Foi visto ontem em Miami com um pacotinho na mão. Contam que está retornando ao Brasil a nado.
SÍLVIO
O pensamento em fogo de altas labaredas. O vento forte, o mar
revolto, sentado na ponta do trapiche um Sílvio sem forças. Suas lágrimas
misturadas ao sal, o frio que doía bem menos que o tridente cravado em seu
coração. Sem rumo, sem foco, sem nada, esperando o tempo ficar velho. Então
acobertada por uma chuva formidável, veio navegando sobre uma onda brava uma bela
sereia. Toda cheia de encanto e ternura carregou Sílvio em seus braços mar
adentro, levando ele para o recanto da eterna mansidão.
ESQUECIDO
Distraído , esquecido, Guilherme é um sujeito que viaja na maionese. Esquece coisas nos lugares mais impróprios e jamais se lembra de ir buscá-los. Ontem fez doze anos que deixou a mulher na casa da sogra.
DONA MEIGA
Filha de Bastião Louco e Eldorina, Dona Meiga nasceu e viveu por mais setenta anos em Barra do Sarapião. Teve uma infância normal entre algumas dezenas de cadáveres de amigos do pai. Adulta, um doce era Dona Meiga. Vivia da lavoura e nas horas de folga matava alguns conterrâneos em troco de uns cobres. Não judiava é verdade, somente matava a tiros como manda o bom figurino. Mas era na matança muito delicada e deveras tão gentil que alguns até agradeciam por estar entrando pra bala.
MAQUIADOS
Não há nada de novo por aqui
Os ratos continuam mais ratos do que nunca
Contaminaram a casa já meio bagunçada com urina e
fezes
E o pior é ver eles na sacada
Acenando à multidão
Maquiados maravilhosamente
Para se parecerem
Não com ratos
Mas sim com araras coloridas.
CIVILIZAÇÃO
O
barulho musical trepidante enerva-me
O
silêncio absoluto apazigua-me
Fico
feliz quando as hostes barulhentas silenciam
Então
ouço novamente o belo cantar dos pássaros
E
observo o retorno da civilização à sua estrada.
ÁRIDA
De
gole em gole
De bar
em bar
O
pobre homem presente o fim da vida
Sem na
verdade saber porque esteve aqui.
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
AVÓ NOVELEIRA
“A esperança é a última que morde.”
“Dilma é uma
mulher desnutrida de inteligência.”
“Nunca fui
fã de bebidas alcoólatras.”
“Eu adoro o
Magal quando canta Amante Latindo.”
“Teu avô tocava violino como poucos lá em Camanducaia. Até
quando ele ensaiava tinha platéia. Também pudera, ele tocava num tal de Estradevários.”
GENTIL COVEIRO
”À noite os mortos aqui do meu cemitério têm bastante companhia. É tanta fumaça que até os defuntos ficam emaconhados.” (Gentil, o coveiro)
MANGA COMENTARISTA
O lendário goleiro Manga, já aposentado, foi convidado para ser comentarista, de uma rádio, em uma partida entre dois times amadores. Convite aceito, lá estava Manga na pequena cabine pronto para o jogo. Estádio cheio, não pelo valor da partida, mas simplesmente pela presença do goleiro. Após 5 minutos de jogo, o narrador pergunta: -”Manga, como você está vendo o jogo ?”. Manga responde:-”Com os olhos, com os olhos!”.
CLASSIFICADO
CLASSIFICADO - Procuro para compromisso sério uma viúva
que tenha filhos. Ando com muita preguiça.
CLIP E ALFINETE
Um clip pergunta para um alfinete:
-Votas na esquerda?
-Não rezas? Nós alfinetes temos cabeça.
Portanto...
SEU TRAJANO
...E como perguntava
seu Trajano, velho marinheiro octogenário, aposentado e já sem pernas, um olho furado,
orelhas mordidas por piranhas do Amazonas, que morreu muito lúcido: “Para que
servem os governantes além de cobrar impostos e nos roubar?”
JÁ OBSERVOU?
A ciência todos avança
todos os dias, descobre novas tecnologias e novos medicamentos. Mas percebo no
homem em geral o aumento da ignorância, a estupidez como argumento principal.
Rebanhos de tolos seguem ordeiramente crápulas de boa oratória sem pensar no
que estão fazendo.
“Florescem os diplomas,
míngua o conhecimento.”
E COMO DIZ SEU ANÍSIO...
E como diz seu Anísio,
lombo intacto, mas aposentado do serviço público federal aos 35 anos de idade
por excesso de gases matinais, que hoje mora na praia do Sonho e curte o mar à
sombra das palmeiras: “O trabalho é que danifica o homem.” (Mim)
SOLTEIRA?
-E aí Maria? Solteira
ainda?
-Solteira.
-Não deu certo com o
Hugo?
-Pois é, não deu. Busco
agora um homem maduro.
-Bem, seu Nicanor do
açougue é viúvo. Está dando sopa. Que tal?
-É maduro?
-Tão maduro que tem até
bicho.
LULA LÁ
Lula morreu e chegou ao inferno. Na chegada o capeta já
perguntou:
-E aí meu, vai me dizer que isto aqui também é obra tua?
O QUANTO ANTES
Grupo político reunido
o líder se levanta e diz:
“Visitei uma vidente
poderosa que não erra nunca. Disse ela que o Brasil irá melhorar
substancialmente no próximo ano.”
“Então chegaremos ao
poder?”-pergunta um partidário.
“Não é isso colega.
Segundo ela o Brasil irá melhorar porque nós todos iremos morrer.”
SÃO VERDADEIRAS?
“O dinheiro não traz
felicidade.”
“A velhice é a melhor
idade.”
“Quem ama não mata.”
“Antes só que mal
acompanhado.”
“Mãe só tem uma.”
E COMO DIZIA SEU NICANOR
Como dizia seu Nicanor, agricultor aposentado, bagaceira
como quê, que enviuvou duas vezes, mas que não perdeu o bom humor: “Minha
primeira namorada não beijava na boca, não fazia dengo, não havia preliminares
entre nós. Terminamos de maneira trágica quando ela virou churrasco, presunto,
salame e linguiça.”
POLÍTICO EM ALTA
“Político em alta está sempre rodeado de bajuladores. Fica com a bunda mais doce do que burro no canavial.” (Mim)
LUCRÉCIO
“Nenhuma
desgraça pode atingir aquele que deixou de ser; em nada ele difere do que seria
se jamais tivesse nascido, pois a sua vida mortal foi-lhe arrebatada por uma
morte imortal.” (Lucrécio)
PLUTOCRACIA
A plutocracia, no Estado democrático, tende a assumir o
lugar da aristocracia ausente e até mesmo a ser confundida com ela. A
plutocracia, no entanto, é coisa inteiramente diferente. Falta-lhe o caráter
fundamental da autentica aristocracia; uma tradição limpa, cultura, espírito
público, honestidade, coragem-acima de tudo, coragem. Ela não tem laço de obrigação para
com o Estado; não possui espírito público; carece de um objetivo...Sua principal
característica é um medo incurável; está permanentemente se agarrando a
ninharias estendidas por demagogos...Seus sonhos são como espectros, duendes e
bichos-papões.
H.L. Mencken
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
PROBLEMAS NATURAIS
Tempo virá em que uma pesquisa diligente e contínua esclarecerá aspectos
que agora permanecem escondidos. O espaço de tempo de uma vida, mesmo se
inteiramente devotada ao estudo do céu, não seria suficiente para investigar um
objetivo tão vasto... Este conhecimento será conseguido somente através de
gerações sucessivas. Tempo virá em que os nossos descendentes ficarão admirados
de que não soubéssemos particularidades tão óbvias a eles... Muitas descobertas
estão reservadas para os que virão, quando a lembrança de nós estará apagada. O
nosso universo será um assunto sem importância, a menos que haja alguma coisa
nele para ser investigada a cada geração... A natureza não revela seus
mistérios de uma só vez.
Sêneca, Problemas Naturais Livro 7, século I
ENCANTAMENTO CONTRA DOR DE DENTE
Na antiguidade, nos costumes e nas
conversas do dia-a-dia, os acontecimentos mais mundanos eram relacionados com
os principais eventos cósmicos. Um exemplo interessante é o encantamento contra
o verme que os assírios de 1.000 a.C. imaginavam que provocava a dor de dente.
Ele começa com a origem do universo e termina com a cura para a dor de dente:
Após Anu ter criado os céus,
E os céus terem criado a terra,
E a terra ter criado os rios,
E os rios terem criado os canais,
E os canais terem criado o pântano,
E o pântano ter criado o verme,
O verme procurou Shamash
chorando,
Suas lágrimas se derramando diante de
Ea: "O que me darás como comida, O que me darás para beber?"
"Eu te darei o figo seco E o
damasco."
"O que representam eles para mim?
O figo seco E o damasco! Eleve-me, e entre os dentes
E as gengivas deixe-me morar!...
"Por teres dito isto, ó verme,
Possa Ea destruir-te com a força da Sua mão!
(Encantamento contra dor de dente).
O tratamento: Cerveja de segunda classe... e óleo que tu deverás misturar; O encantamento, tu deverás recitá-lo três vezes seguidas e então colocar a poção sobre o dente.
(Encantamento contra dor de dente).
O tratamento: Cerveja de segunda classe... e óleo que tu deverás misturar; O encantamento, tu deverás recitá-lo três vezes seguidas e então colocar a poção sobre o dente.
Nossos ancestrais ansiavam compreender
o mundo, mas não conseguiram encontrar um método. Imaginaram um universo
pequeno, fantástico e arrumado, no qual as forças dominantes eram deuses como
Anu, Ea e Shamash. Neste universo os seres humanos desempenharam um papel
importante, senão central. Estamos intimamente entrosados com o resto da
natureza. O tratamento da dor de dente com cerveja de segunda classe estava
associado aos mais profundos mistérios cosmológicos.
Fragmento do livro COSMOS, de Carl
Sagan
E AÍ QUADRÚPEDE?
E aí Maduro? Acordou bem hoje? Já calçou suas ferraduras de prata, comeu alfafa e estercou?
MANADA
Uma grande manada de estúpidos, sujos, observe. São porcos nas praias e outros lugares públicos; bandidos nas estradas; desrespeitam seus vizinhos fazendo baderna a qualquer hora; estudam apenas o suficiente para conseguir uma boca estatal; votam com o bolso e se acham espertos. Não é por nada que estamos num barco sem rumo e atordoados.
NO PARAÍSO
No paraíso Lula é Adão e Dilma é Eva. Deus
pergunta:
-Quem comeu o fruto proibido?
-Eu não sei de nada- diz Lula.
-Eu não sei de nada- diz Dilma.
Deus irritado manda os dois para o inferno para
sempre.
*Em tempo, a serpente era o Zé Dirceu.
A VIDA É UM PESADO GRACEJO- SCHOPENHAUER
Se considerarmos a vida objetivamente, é duvidoso que ela seja preferível ao nada. Atrever-me-ia até a dizer que se a reflexão e a experiência pudessem fazer um acordo, elevariam a voz em favor do nada. Se batêssemos nas pedras dos sepulcros e perguntássemos aos mortos se querem ressuscitar, moveriam negativamente a cabeça. É esta a opinião de Sócrates na Apologia de Platão. O alegre e feliz Voltaire dizia: “Amamos a vida, porém o nada não deixa de ter o seu lado bom”. Em outra parte dizia: “Ignoro o que seja a vida eterna, mas esta é um pesado gracejo”.
BANANAS
Aconchegadas na fruteira
São elas irmãs verdes deitadas
Ouvindo as conversas da casa
Em absoluto silêncio
Enquanto esperam pelo amarelo doce do amadurecer.
DE CABO A RABO
Queria um país de dirigentes austeros
Severos
Mas o que temos?
Meros gastadores
Descomprometidos
Vivendo o faz de conta da responsabilidade
Num país pra lá de falido
Corrompido até o último fio de cabelo.
PREGUIÇA
Acordando hoje com dois quatis nas costas
Exaltando a siesta mexicana
Lembrei-me da história do sujeito
Que de preguiça morria de fome na cama
Foi então que alma boa
Ofereceu-lhe vida afora
Arroz com casca em qualquer demanda
Para aplacar sua fome a qualquer hora
Sabendo disso o sujeito
Do arroz com casca e não cozido
Agradeceu do vivente a nobre fidalguia
Mas que ante o trabalho da descasca
A boa morte preferia.
MUI CORDIAL
O grande animal corre pela estrada
Na curva difícil tomba
O motorista jaz
A carga se dilacera
O motorista agoniza
O povo cordial saqueia.
domingo, 25 de fevereiro de 2018
AZARADO
Bernardo, trinta anos, sempre fora um sujeito
azarado, maldição sofrida por seus antepassados de fama ruim. Então certo dia
de sua podre existência foi dormir como homem e quando acordou estava
transformado numa minúscula e feia minhoca. Resignado com sua nova forma,
enterrou-se numa terra úmida para cumprir sua jornada. Pois não demorou dois
dias quando arrancaram ele de onde estava para servir de isca na pesca de
jundiás.
ALAN RATON
Meu nome é Alan Raton. Digo que é muito duro não saber ler, posso dizer que é
mortal. Sou um rato não alfabetizado, entregue aos perigos do mundo. Agora
estou morrendo; comi uns grãos de raticida crendo tratar-se de salgadinhos da
Elma Chips. Estou indo, deu, fui. Será que existe outra vida?
VAI DAR PROCESSO
Não tem como não dar processo. Sem dúvida uma
verdadeira afronta ao consumidor. Se eu fosse advogado eu pegava a causa sem
pestanejar. Que pouca vergonha! Onde
estamos? Não falta mais nada mesmo! Não basta o que já sofremos? Sem mais
rodeios, eu conto: Em Brasília Doma Emengarda encontrou um corrupto dentro do
pote de margarina de 1 kg. Penso que caminhamos para o fim.
O ANTRO
Tardinha de sexta-feira. Sala no subsolo. Ambiente
enfumaçado, conversas em voz baixa, sujeitos mal-encarados e outros nem tanto,
todos bafejando álcool em grande estilo. Políticos, assaltantes, traficantes,
proxenetas, jogadores e algumas prostitutas. Só cidadãos de primeira linha. Ali
se reunia a catrefa para planejar novos golpes e maldades embalados por todos
os tipos de drogas. Assim do nada tlac tlac tlac tlac...tlac tlac tlac...tlac
tlac..tlac. Um pequeno cubo mágico rolou pela escada. Então, TRANSFORMERS
JUSTICEIRO!!
Não sobrou nem mesmo o barman.
O TEMPO
Menino Glauber estava descalço e de calção na sala
assistindo televisão. Depois se levantou e foi até a janela para ver a vida
passar. Chupou duas balas, voltou para dentro e aí percebeu que já estava com
setenta anos. Pois é o tempo, o implacável tempo. Voa o precioso e quase não percebemos. Sentimos
o início e o fim e quase sempre perdemos o meio.
VINGANÇA
Os peludos ratos entraram na despensa e começaram a
fuçar. Na escuridão outros olhos estavam à espreita. Eram bichinhos brancos,
outros amarelados, cheirosos e com muitos furinhos. Quando os ratos estavam
prontos para comer eles atacaram sem dó, acabando com todos os dentuços em
poucos segundos. A Era da Vingança havia começado; foi o primeiro ataque
conhecido dos Queijos Assassinos.
O SUPER-HOMEM
Teodoro acordou naquele dia sentindo-se o
Super-Homem. Meteu os pés nos chinelos, bateu no peito, respirou fundo e falou
–‘vamos lá dia!” Aí foi pegar o penico que estava sob a cama e se
descadeirou todo. Não saiu do lugar sem
ajuda. Teve que chamar a Super-Girl dona Jurema para colocar nele um emplasto
Sabiá.
CORONEL OLIVEIRO
Oito horas da manhã. O suicida subiu na torre da igreja
e de lá ameaçava se jogar. O povo foi chegando, se aglomerando e comentando.
Uns diziam “se jogue!” outros gritavam “Não faça isso!” O tempo foi passando e
que diante da grande dificuldade ninguém conseguia subir na torre para tirar o
homem. Havia risco para os policiais. Onze e meia da manhã e o homem por um
fio, agarrado nos braços de Santo Antônio. O Coronel Oliveiro ia passando e foi
saber a causa da balbúrdia. Inteirado dos fatos, sacou do revólver e derrubou o
potencial suicida, que a chumbo foi para o outro lado. Coronel Oliveiro olhou o
corpo estirado na calçada e disse- “Aí está um homem que conseguiu o que
queria. Queria morrer, pois está morto!” E foi para o almoço, pois a barriga já
estava roncando.
LINHA CEMITÉRIO
Na década de 1960/ 1970 poucos tinham automóveis na
minha Chapecó. Então todo enterro tinha serviço de transporte de ônibus para
familiares e amigos. Era importante que
todos pudessem ir até o campo santo para dar o último adeus aos que partiam.
Havia também o fato de quanto mais gente no enterro, mais considerado era o
defunto. Mas havia um caso especial; as
irmãs Martinez; Ana, 11, Cláudia, 13, e Mirtes, 14. Fosse onde fosse o velório
não faltavam às irmãs Martinez, com suas carinhas sérias e olhos lacrimejantes. Com chuva ou sol, longe ou perto, lá
estavam. Acredito que na maioria das vezes nem sabiam quem era o falecido; o
negócio delas era rodar. Olhava-se para
o ônibus e lá estava o trio curioso grudado nas janelas rumando ao cemitério. O
falecido era o que menos interessava; o importante era passear de coletivo, ter
coisas para contar. Elas cresceram, foram embora do lugar, os tempos são outros,
não vejo mais ônibus nos enterros e nem as irmãs pelas ruas.
HOMEM SANTO
Jesuíno era um exemplo de homem bom. Com certeza
não houve nunca houve no planeta homem mais santo. Não carregava chifres,
carregava pombas brancas na cabeça. Era
só paz e amor, e I Love You. Fazia boas
ações todos os dias e rezava como um jumento beato, desgastando rosários vida
afora. Mas quando morreu Jesuíno não
conheceu o paraíso. Pelo bom currículo São Pedro o mandou ao inferno para dar
aulas de tolerância ao capeta.
DONO DO TEMPO
Ano 3.050. João saiu para o quintal e observou
nuvens carregadas, céu escuro, prenúncio de fortes chuvas. Foi até a máquina na sala e contrariado viu
que estava programada para ambiente de chuvas torrenciais. Trocou para o canal
tempo bom e um límpido céu azul surgiu sobre a residência. Gritou: ”crianças,
podem brincar no quintal, não irá chover! Troquei de canal!
O VELHO EREMITA
O velho eremita tentou mudar os homens de sua
comunidade por anos seguidos. Foi infeliz no seu projeto. Desiludido subiu numa
grande árvore e disse que somente desceria de lá quando os homens da sua vila
fossem menos astutos e canalhas. Pois a grande árvore morreu e virou petróleo;
o velho eremita também. Caso contrário ele ainda estaria lá, esperando pela
mudança.
sábado, 24 de fevereiro de 2018
BATATINHA
Batatinha
quando nasce
Esparrama-se
pelo chão
Mamãezinha
quando dorme
Têm
pesadelos
Pois
o filho é maconheiro.
ADOTE QUE É MANSO
É
monstro de ódio mal-educado e já sem freios
Tudo
o que palavra demonstra
Mas
o torpe grita indignado
Que
ele é assim por que
Ninguém
o quer
Ninguém
o ama
Assim
age o torpe para que você se sinta culpado e o adote
Você
o adote
Pois
ele não o quer na sua casa
Tampouco
sentado à sua mesa
Muito
menos aconchegado na própria cama.
VONTADE DE MATAR
Abunda
em mim a ojeriza aos apóstolos da ignorância
Tenho
vontade de matar alguns desses homens
Mas
sou da paz
Não
sou um assassino
Então
torço para que caia um meteoro na cabeça deles.
NATURAL
Mais
de cem bilhões já passaram pelo planeta
Destes
nenhum retornou
Então
nascer
Crescer
Morrer
Tudo
tão natural
Mas
já na infância
Fomos
acostumados pelos adultos
A
ter medo do inevitável.
RACIOCINE
Busque
a clareza no pensar
Porque
não há fantasmas na estrada
Tampouco
existem demônios nela
Salvo
aqueles que estão nos púlpitos
Lavando
mentes
Prometendo
que dor e miséria garantem o paraíso
Ou que
o mal ronda quem fechar a mão para o dízimo.
ALEXANDRE GARCIA-Quem pega o fuzil
Cobri guerra no Líbano em 1982; fui alvo de fuzil AK47, como os cariocas, por um triz escapei da explosão de um carro-bomba que matou 52, andei por terreno minado, vi batalhas se desenvolverem à minha frente, como os cariocas. O estado de guerra, com tropas sírias, israelenses, da ONU, de milícias, de libaneses, em plena guerra fria, durou 25 anos. Mas não havia assaltos, roubos, furtos; todos respeitando os sinais de trânsito, respeitando a propriedade alheia. É a educação de casa. Aqui no Brasil, precisa estar escrito na Constituição que é preciso respeitar as leis - e nem assim. O artigo 144, que trata de segurança pública, estabelece que ela é dever do estado e direito e responsabilidade de todos. Reclamamos do estado que não nos dá segurança, mas temos nós cumprido a nossa responsabilidade, ou enfraquecemos as leis?
Inesquecível o episódio, aqui na capital do país, do advogado que se queixava, na mesa da feirinha do Lago Norte, de que a lei não o protegia, porque fora furtado em dois bujões de gás. Quando vi o BMW dele estacionado embaixo de uma placa de estacionamento proibido, perguntei-lhe: “Como você quer que a lei o proteja, se você enfraquece a lei que jurou cumprir e que garantiu que você comprasse esse carro?” Há 20 anos, uma colega minha mudou-se para Fortaleza. Um mês depois se declarava apavorada ao dirigir por lá. “Não obedecem sinal vermelho, não respeitam faixa de pedestre, estacionam em lugar proibido e até trafegam na contramão”. Previ que não iria acabar bem. Nesta semana lá chegaram reforços da Polícia Federal e da Força Nacional. A média de homicídios no Ceará é 15 por dia.
A sociedade é a força da lei. Ou o enfraquecimento da lei. Mas a lei, mal feita, pode também prejudicar. Pode emascular o direito natural da legítima defesa, pode liberar assaltantes e assassinos por causa da idade, pode significar impunidade e devolver às ruas gente que só pára de cometer crime se estiver apartado da sociedade. O jovem matador de um doutorando da Universidade de Brasília para roubar a bicicleta, já tinha quatro passagens pela polícia - uma das quais por homicídio! A audiência de custódia deixa a polícia com a sensação de enxugar gelo: ladrões e assaltantes presos dez vezes, voltam dez vezes para as ruas, até se tornarem latrocidas. Quando prenderam os primeiros políticos do mensalão, nossos legisladores trataram de suavizar as leis penais para evitar prisão em regime fechado - e beneficiaram a milhares de outros criminosos.
No Rio, no ano passado, foram mortos 134 policiais militares. Não se viu nenhuma manifestação nas ruas, nas praias, na Marquês do Sapucaí protestando contra os assassinos; nenhum enterro cheio, com governador, prefeito, deputados e vereadores e povo irado contra os bandidos. Há especialistas considerando os bandidos “vítimas da sociedade”, quando o óbvio é que suas próprias comunidades são vítimas das quadrilhas de traficantes, subjugados em seus direitos de ir-e-vir, de comprar gás, tv por assinatura; obrigados a fechar portas, a queimar pneus - escravos de seus senhores armados de fuzis. Os financiadores ficam lá embaixo, comprando a droga que compra os fuzis.
Inesquecível o episódio, aqui na capital do país, do advogado que se queixava, na mesa da feirinha do Lago Norte, de que a lei não o protegia, porque fora furtado em dois bujões de gás. Quando vi o BMW dele estacionado embaixo de uma placa de estacionamento proibido, perguntei-lhe: “Como você quer que a lei o proteja, se você enfraquece a lei que jurou cumprir e que garantiu que você comprasse esse carro?” Há 20 anos, uma colega minha mudou-se para Fortaleza. Um mês depois se declarava apavorada ao dirigir por lá. “Não obedecem sinal vermelho, não respeitam faixa de pedestre, estacionam em lugar proibido e até trafegam na contramão”. Previ que não iria acabar bem. Nesta semana lá chegaram reforços da Polícia Federal e da Força Nacional. A média de homicídios no Ceará é 15 por dia.
A sociedade é a força da lei. Ou o enfraquecimento da lei. Mas a lei, mal feita, pode também prejudicar. Pode emascular o direito natural da legítima defesa, pode liberar assaltantes e assassinos por causa da idade, pode significar impunidade e devolver às ruas gente que só pára de cometer crime se estiver apartado da sociedade. O jovem matador de um doutorando da Universidade de Brasília para roubar a bicicleta, já tinha quatro passagens pela polícia - uma das quais por homicídio! A audiência de custódia deixa a polícia com a sensação de enxugar gelo: ladrões e assaltantes presos dez vezes, voltam dez vezes para as ruas, até se tornarem latrocidas. Quando prenderam os primeiros políticos do mensalão, nossos legisladores trataram de suavizar as leis penais para evitar prisão em regime fechado - e beneficiaram a milhares de outros criminosos.
No Rio, no ano passado, foram mortos 134 policiais militares. Não se viu nenhuma manifestação nas ruas, nas praias, na Marquês do Sapucaí protestando contra os assassinos; nenhum enterro cheio, com governador, prefeito, deputados e vereadores e povo irado contra os bandidos. Há especialistas considerando os bandidos “vítimas da sociedade”, quando o óbvio é que suas próprias comunidades são vítimas das quadrilhas de traficantes, subjugados em seus direitos de ir-e-vir, de comprar gás, tv por assinatura; obrigados a fechar portas, a queimar pneus - escravos de seus senhores armados de fuzis. Os financiadores ficam lá embaixo, comprando a droga que compra os fuzis.
BRASÍLIA
Juscelino
ergueu Brasília
Mas
acho que deveria ter tomado um trago
E no
lugar erguido um bordel
Já que
o negócio por lá é foder o povo.
MALDITO ATRASO
Libertários,
uni-vos!
O
estado sugador
Incrustado
de parasitas
Protege
e realimenta o ciclo
Da
servidão contribuinte
O
monstro faminto
Não
sacia a sua fome destruidora
De
empregos
De
sonhos
De um
futuro promissor
Precisam
os homens de visão
Sair
de suas poltronas
E dar
um basta definitivo
Nesta
herança maldita que nos atrasa.
RIO
O Rio
de Janeiro sempre belo em prosa e verso
Mas em
matéria de governantes
Sempre
uma grande bosta.
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
A CIRURGIA
Depois da cirurgia ele se encontra deitado na cama
de ferro, imóvel sobre alvos lençóis. De hora em hora uma enfermeira vem para
ver como ele se encontra. Observa sua pressão e sai. Na parede um quadro
solitário da Santa Ceia faz companhia ao homem que dorme sedado. Sobre o criado
mudo não há nada, nem mesmo um copo ou uma revista qualquer. O soro desce em
lentas gotas e o rosto do enfermo aos poucos ganha cor. Lá fora, entre nuvens,
aparecem pedaços do azul do céu. No canto esquerdo do quatro está largado um
pequeno sofá marrom que aguarda para acolher uma visita qualquer. Já faz quatro
horas que a operação foi realizada. O homem abre os olhos e se mexe um pouco. A
enfermeira chega, ele pede: “Onde estou?” Ela fazendo um olhar de mãe diz que
ele está no Hospital Samaritano, sofreu uma cirurgia para extirpar um pequeno
tumor no cérebro e que correu tudo bem. “Tudo bem nada” diz ele .-“Sou o
encanador, vim até aqui apenas para consertar um vazamento e acabei caindo no
banheiro. E agora me acontece isso?”
MOSCA NO POTE
Sexta-feira.
Uma pequena mosca distraída entrou num pote de vidro vazio. Deu uns rasantes,
deslizou também na superfície lisa. Logo
veio alguém que fechou o pote sem observar que a pequena mosca estava dentro.
Presa, estou presa, disse ela para si mesmo.
Ficou pensando em como escapar, será que não existe um pequeno orifício
na tampa? Quantos dias terei de vida? Gritou ainda pedindo ajuda do
Chapolin Colorado e nada. O que pode
ser pior que uma prisão envidraçada? O que pode? Então após horas dentro do
vidro e um pouco zonza não percebeu quando a tampa foi aberta e o recipiente
foi cheio de sal grosso. Seu corpo foi encontrado no domingo.
MARIA
Maria
não queria João, queria Paulo. O pai de Maria não queria Paulo, queria
João. Maria mulher objeto desejava ter amor,
voz, vida, luz, liberdade. A mão pesada dos costumes desceu sobre Maria que
soluçava pelas noites geladas na solidão da cama, desenhando no chão de areia
pássaros livres, tentando resignar-se com seu destino e aceitar o determinado
pelo pai. Porém algo dentro dela era mais forte, pois corria por suas veias o
sangue da insubmissão e do desejo de todos os mortais de ser feliz. Os dias de
Maria eram de tristeza, sabendo que o futuro lhe reservava a mesma vida
inglória de diversas outras Marias de sua aldeia. Então quando teve certeza que
nada mudaria o contrato acertado da troca de uma mulher por cabras e algum
dinheiro, foi ao rio. Lá calmamente se deixou levar pelas águas, entrando num
transe de paz, conquistando a liberdade tão almejada.
TOMATE
Numa tarde movimentada na BR 282 um tomate foi atravessar a pista destemidamente, então surgiu um caminhão em alta velocidade e o pneu dianteiro foi para cima do tomate que com extrema agilidade realizou a transformação papel e saiu ileso. Era um tomate ninja.
SEMILDA BEATA
Semilda, sempre vestida de preto, um urubu de saias. O sangue irriga seu cérebro não sei por que, pois vive prostrada maltratando os joelhos. Do alto espera castigo e prêmios, o resultado não aparece, mas junta as mãos muito mais que toma banho. É uma juíza, julga todos, porém se perguntada sobre algo coerente e real é uma toupeira que não sabe nem quando é dia ou noite. Uma beata, inerte no pensar como uma batata dentro de um saco na carroceria de um caminhão.
SEU NICÁSIO
Ainda caminhava para lá e para cá, conhecia todos na vila, apesar da idade avançada. Ninguém na verdade sabia sua verdadeira idade, o que todos tinham a certeza é de que seu Nicásio era muito, mas muito velho, pois tinha até um retrato ao lado de D. Pedro II. Pois Seu Nicásio morreu na tarde de ontem e nem foi preciso realizar a cremação: quando deixou este mundo já era pó.
GARGANTA PROFUNDA
Ano de1973, Cine Boss em Belém do Pará, filme Garganta Profunda. Raul e João Paulo entraram escondidos no cinema subornando o lanterninha. Mal tinham eles quatorze anos, loucos por sacanagem. Quietos e com os olhos arregalados sentiam uma intensa vibração que percorria seus corpos. Então um urro enorme foi ouvido que estremeceu as paredes. Antes mesmo de Linda Lovelace engolir a primeira cobra foram eles atacados e devorados pelo esfomeado leão da Metro, que ali estava porque adorava carne humana e sabia que durante a exibição do filme pornô encontraria um manancial. Consegui fugir andando de arrasto por entre as cadeiras.
LENO
Leno sempre teimoso, birrento, quebrando regras. Há dez anos passou próximo de um lago e na borda dele havia uma placa- “LAGO CONTAMINADO. PROIBIDO BANHO.” Prato cheio para ele que tirou as roupas e se jogou n’água. Depois disso perdeu o emprego, todos os amigos e amigas, até parentes próximos. Somente os pais o suportam com galhardia. Faz dez anos que Leno cheira a merda.
LEOCÁDIO
Salta! Pula! A multidão reunida no centro da cidade ansiosa aguardava lá embaixo pelo último ato do suicida. Finalmente ele se jogou do telhado. Os mais sensíveis fecharam os olhos antes do choque fatal. Então antes de espatifar-se no chão Leocádio abriu suas belas asas e alçou voo para navegar sob o resplandecente azul do céu. Antes contornou e fez um rasante mostrando a língua para os abutres que pediam por sangue.
ANA ANDROPOVA E ALEXEI ROMANOV
Moscou, Rússia. Ana Andropova, 40 anos, dona de casa, cinco casamentos, sem filhos, cinco vezes viúva, todos de morte natural. Alexei Romanov, agricultor, um homem bom, 42 anos, se achava também um homem de muita sorte e propôs casamento a Ana Andropova; não temia morrer cedo. Acontecido o entendimento sentimental e financeiro entres as partes, casamento realizado. Foram morar no campo e viveram felizes por mais de quarenta anos. Não tiveram rebentos. Morreram de infarto no mesmo dia e hora, sem sofrimento. Ao limparem os corpos descobriram que os dois tinham um trevo de quatro folhas vivo e crescido no ouvido esquerdo.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
ARTHUR SCHOPENHAUER- A FELICIDADE É UM SONHO
Sentimos a dor, mas não a ausência da dor; sentimos a inquietação mas não a ausência; o temor, mas não a tranquilidade. Sentimos o desejo e a aspiração, como sentimos a sede e a fome; mas, apenas satisfeitos, se acabam, como o bocado que, uma vez engolido, já não existe para o nosso paladar. Enquanto possuamos os três maiores bens da vida, saúde, mocidade e liberdade, não temos consciência deles, e só com a perda deles é que os apreciamos, porque são bens negativos. Somente os dias de tristeza é que nos fazem recordar as horas felizes da vida passada. À medida que os prazeres aumentam, nossa sensibilidade diminui; o hábito já não é um prazer. As horas passam lentamente quando estamos tristes; correm rapidamente quando são agradáveis; porque a dor é positiva e faz sentir sua presença. O aborrecimento nos dá a noção do tempo e a distração nos faz esquecer. Isto prova que a nossa existência é mais feliz quando menos a sentimos: de onde se deduz que mais feliz seríamos se nos livrássemos dela. Uma grande alegria, assim não a julgaríamos se ela não viesse atrás de uma grande dor. Não podemos atingir um estado de alegria serena e duradoura. Esta é a razão porque os poetas são obrigados a rodear seus protagonistas de tristes ou perigosas circunstâncias, para no fim os livrar delas. No drama e na poesia épica, o herói sofre mil torturas: nos romances os heróis lutam pondo em relevo os tormentos do coração humano. “A felicidade não passa de um sonho – dizia Voltaire, tão favorecido pelo destino? – a única realidade é a dor”. E acrescenta: “Há oitenta anos que a experimento e nada faço senão resignar-me e dizer a mim mesmo que as moscas nasceram para serem comidas pelas aranhas, e os homens para serem devorados pelos desgostos”.
ASSINAR REVISTAS É COISA DO PASSADO: APOIE PROFISSIONAIS LIBERAIS DA INFORMAÇÃO por Ricardo Bordin. Artigo publicado em 21.02.2018
A virada do século trouxe consigo uma inovação tecnológica que viria, após muita polêmica sobre desrespeito à propriedade intelectual, a libertar os consumidores de música da obrigatoriedade de adquirir álbuns inteiros de seus cantores favoritos?—?sem possibilidade de pagar por cada faixa avulsa.
Tudo começou com o ilícito Napster, progrediu para o download legalizado de músicas “no varejo” e culminou nos dias atuais, quando já é possível pagar uma mensalidade e ouvir tudo o que queremos— praticamente um all you can eat da indústria fonográfica.
Toda essa evolução foi turbinada pela insatisfação das pessoas diante da impossibilidade absolutamente incontornável (sem apelar para a pirataria, ao menos) de comprar apenas trechos específicos de CDs ou fitas?—?o que permitiria, com o mesmo dinheiro, levar para casa apenas o melhor (na avaliação subjetiva de cada indivíduo) de cada artista.
A natureza sempre acha um jeito, e toda demanda tende a encontrar sua correspondente oferta cedo ou tarde. As novas gerações já estão crescendo sem saber que mundo era aquele onde a venda casada era a regra nas lojas de discos.
Aliás, elas sequer tiveram a chance de adentrar um estabelecimento do tipo?—?os que existem hoje procuram atender ao público saudosista.
Os músicos, a seu turno, adaptados ao novo cenário, dão preferência ao lançamento de singles e atingem um número de admiradores outrora inimaginável. E todo mundo, uma vez ultrapassados os solavancos típicos da assimilação, acabou saindo satisfeito do outro lado do túnel.
Pois estamos todos, neste momento, presenciando uma metamorfose do mesmo gênero tomando lugar, desta feita no mercado da comunicação: tudo leva a crer que vender informação e opinião em pacotes (jornais ou revistas) é atividade comercial que não deve acordar para ver a luz do dia por muito tempo?—?e a internet, uma vez mais, é a grande força motriz desta mudança de paradigmas.
Os principais periódicos brasileiros, seguindo uma tendência planetária, perderam assinantes ao milhões nos últimos anos. Entrementes, produtores independentes de conteúdo intelectual amealham novos fãs e seguidores incessantemente?—?muitos destes, aliás, dispostos a coçarem o bolso para ter acesso ao material por aqueles disponibilizado.
É a mesmíssima lógica que provocou um cataclismo no meio artístico há pouco tempo, e agora promete desafiar o jornalismo a seguir o mesmo rumo: ninguém quer mais bancar o salário daquele comunista, digo, colunista mala pra cacete, só para poder ler os artigos de seu escriba predileto que trabalha para a mesma publicação.
A relação custo-benefício é extremamente benéfica para os envolvidos na troca, mesmo neste estágio inicial do processo. Faça o teste: experimente cancelar a assinatura daquele folhetim (aproveitando que seu gato já aprendeu a usar a caixa de areia) e passe a apoiar alguns profissionais liberais do seu agrado neste ramo, por meio do Patreon ou outras plataformas de financiamento.
O resultado será o mesmo dispêndio de grana (ou menos) para patrocinar textos, vídeos ou podcasts que contribuem de fato com seu aprimoramento intelectivo, evitando desperdício de recursos com abobrinhas que costumavam vir de “brinde” das editoras.
O jornalismo tradicional, por óbvio, vai lutar com unhas e dentes até o último minuto contra esta onda dos novos tempos. Não não vender barato sua tão estimada reserva de mercado por décadas usufruída.
• Seus membros vão alegar que notícias que não contam com seu carimbo são fakenews?—?como se não fossem eles próprios os maiores propagadores de notícias falsas, muitas delas fabricadas sem contar uma única mentira (apenas omitindo, distorcendo ou torturando fatos até eles falarem o que corrobora suas narrativas);
• Vão alertar que, procedendo desta forma, selecionando cronistas e jornalistas a la carte, corremos o risco de isolarmo-nos em uma bolha onde apenas nossa visão de mundo é confirmada?—?como se essa não fosse a maior característica da maioria dos veículos de comunicação, os quais rezam sempre a mesma cartilha sem dela desviar-se uma única linha;
• Vão tentar limitar o alcance destes comunicadores da era moderna, instigando os gigantes do ciberespaço a suprimirem a veiculação de seu material?—?como fez o Facebook há algumas semanas quando alterou seu algoritmo para “ priorizar amigos e família”, e como Youtube, Google e Twitter, por meio de suspensões desarrazoadas e restrições de visualização impostas arbitrariamente, já deixaram claro que manobram.
Só que ninguém se importou se as gravadoras estavam felizes ou não com a revolução dos arquivos mp3. Da mesma forma, de pouco ou nada vai servir espernear contra esta nova maneira de saber e entender o que se passa no mundo. Aceitem que dói menos, como diz a sabedoria popular.
É claro que a maior prejudicada com este sinal dos tempos é a Esquerda, pois manter tudo como estava (leia-se: com repórteres doutrinados desde a faculdade monopolizando o setor) era de seu especial interesse no esforço de reescrever o passado, adulterar o presente e dominar o futuro.
Estranho, mas não muito: não são os marxistas aqueles que advogam a “socialização” dos meios de produção? Pois então: agora qualquer pessoa com um smartphone na mão pode virar empresário nesta área se assim decidir a audiência com sua preferência. Deveriam comemorar estes novos ventos, portanto. Mas algo me diz que a proposta de “regulação da mídia” do Luiz Inácio agrada bastante às redações Brasil afora.
Só que não tem jeito: quanto mais contribuições voluntárias os profissionais autônomos recebem, com mais independência passam a poder atuar, pois veem-se, gradativamente, livres dos grilhões do politicamente correto impostos pela turba “progressista” (mas reacionária quando lhe convém, como neste caso) cuja estrita observância costuma ser exigida por patrocinadores que ainda não entenderam que lucrar e lacrar até rimam, mas não combinam.
Não seria má ideia, portanto, se você decidisse, agora mesmo, tornar-se mecenas de, pelo menos, uma meia dúzia destes emissários e analistas emancipados. Aproveite enquanto está (muito) barato…
INTERVENÇÃO MORAL por Márcio Coimbra. Artigo publicado em 22.02.2018
O Rio de Janeiro vive em estado de falência completa. Falência das instituições, dos quadros políticos, da sociedade em geral. É um aperitivo do processo de desconstrução pelo qual passa o Brasil. O método vai mais além. Inverte princípios, enaltece o crime e a malandragem, despreza o mérito e subverte valores basilares da constituição de uma sociedade fraterna, virtuosa e vitoriosa. O caminho trilhado há tempos somente tem um resultado, este que estamos vivendo, perplexos e aparvalhados.
O governo, ponto central do desequilíbrio, entrega benesses em troca de apoio para permanecer no poder. Grupos políticos revezam-se no comando das instituições com o intuito de saquear os cofres públicos. Mesmo com royalties do petróleo, Pré-Sal, investimentos internacionais, Olimpíadas e Copa do Mundo, que despejaram caminhões de recursos no Rio, o poder púbico foi incapaz de entregar reformas educacionais, melhorias no sistema de saúde, investir em segurança, modelos de organização urbana ou desburocratizar a máquina governamental para os empreendedores. Nada foi feito além de obras superfaturadas e maquiagens urbanas para ludibriar os olhos dos turistas e dos cariocas. Pão e circo.
Apenas entre 2014 e 2016 o Rio de Janeiro recebeu R$ 235 bilhões em investimentos. Não faltou dinheiro. Faltou competência e honestidade. O volume de recursos desviados pela organização criminosa chefiada pelo ex-Governador Sergio Cabral deixa evidente que o crime se infiltrou no Estado. A política fluminense está apodrecida. A Lava Jato, em seu capítulo carioca, pede o ressarcimento de 2,28 bilhões de reais aos cofres públicos. Até o momento conseguiu recuperar apenas R$ 451,5 milhões. O volume assusta, mas certamente é muito maior, pois somente na Operação Fratura Exposta são investigados desvios de mais de 300 milhões na área da saúde. Enquanto isso, o governo investe R$ 75 milhões no Carnaval e R$ 74 milhões na segurança pública. Um escárnio.
O Rio de Janeiro está entre os dez estados mais violentos no Brasil. Isto nos prova que o problema não se restringe ao seu perímetro. É um fenômeno sistêmico nacional. Se o objetivo é combater o crime organizado, as ações devem superar os limites fluminenses, mas tudo indica que o objetivo é simplesmente combater a desordem e fornecer maior sensação de segurança. Não está sendo atacado o cerne da questão.
Precisamos repensar o modelo de sociedade que desejamos para o Brasil. No desmonte dos valores, na degradação moral, na desconstrução ética. Estas são as bases que faltam atualmente. O brasileiro não é vítima, mas parte do problema. Já chegou o momento de darmos uma resposta, de nos perguntarmos que tipo de sociedade desejamos e trabalharmos para que surja desta reflexão um futuro melhor para nosso país. Do contrário viveremos de intervenção em intervenção, enxugando gelo, reféns de uma sociedade doente e políticos desonestos. A verdadeira intervenção que precisamos é de ordem moral e ética, dentro de valores que construam uma sociedade virtuosa, decente e honesta para nossas futuras gerações.
• Publicado originalmente no Diário do Poder
OS CORRUPTOS GANHAM BEM por Miguel Lucena. Artigo publicado em 22.02.2018
Alguém em sã consciência, a pretexto de defender melhorias para servidores, diria que defasagem salarial provoca atos de corrupção? Seria um argumento frágil, embora revestido de boas intenções, que enodoaria o segmento mencionado.
Corrupção existe em todos os setores. Se salários altos evitassem atos desonestos, não teríamos tantos parlamentares e governantes presos e envolvidos em esquemas de malversação de recursos públicos.
Atribuir a corrupção a salários defasados é o mesmo que acusar os trabalhadores brasileiros, em sua maioria ganhando pouco mais de um salário mínimo, de serem ladrões. Como vivem com tão pouco? Será que complementam a renda furtando?
Claro que a satisfação salarial e profissional faz o servidor pensar duas vezes antes de praticar um ato ilícito que prejudique sua carreira para sempre, levando-o à perda do cobiçado cargo. O desonesto, no entanto, por ser de sua índole, um dia cairá em tentação.
Os policiais civis, por exemplo, não são mais ou menos honestos do que eram antes. Estão, sim, desestimulados com a perda da paridade salarial com a Polícia Federal e a falta de efetivo, o que levou o governo a fechar 20 das 31 delegacias do DF à noite, nos finais de semana e feriados.
Quem consultar direito o dicionário vai ver que corrupção jamais poderá ser sinônimo de tristeza e depressão. Na falta de alegria, curemos esse mal com doses de esperança e coragem de mudar.
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.
** Publicado no Diário do Poder
O ENVIADO
Quando ainda um ser amorfo no ventre da mãe o danadinho nasceu de repente e surpreendeu o mundo. Recém-saído da barriga da mãe num banco de coletivo pulou sobre uma poltrona e começou seu discurso falando da mediocridade geral, das crenças em verdades absolutas feitas para idiotas, do nada imperativo nos bilhões de mentes vãs. Explodiu de emoção falando da importância da ciência e não de futilidades mágicas. E já começando a ficar sem fôlego, ficou feliz quando viu um jovem gravando suas palavras num celular. Encerrando disse: “Eu vim por pouco tempo para dizer muito, sou luz que ilumina mentes encerradas nas trevas do saber, crentes de uma vida eterna paradisíaca ou infernal, ou seja, são bestas, porque eu sei daquilo que falo, vim de onde ninguém nunca foi, nasci no amanhã e voltei pelas mãos da ciência para dizer que Deus não existe e que tudo é propaganda barata.” E caiu morto.
MUDANDO O MUNDO
O profeta saiu do interior e chegou ao poder supremo. Seu primeiro grito foi: “Agora vamos mudar o mundo!” E começou a mudar mesmo já nos primeiros dias, não bem o mundo que todos esperavam, mas o mundo de alguns. Comprou mansão, iate e carros de luxo. Arrumou algumas amantes e empregos bem remunerados no estado para compadres e parentes. O povo, este ficou chupando o dedo e às vezes um pirulito. E mais não conto que a história é velha e todos a conhecem.
EM BUSCA DA PAZ
Omar ajoelhado ao pé da montanha clamava de braços abertos ao senhor: “Senhor meu Deus, tenho sofrido tanto! Traga-me paz senhor!” O viajante Gabriel que dormia em paz na sombra de uma pequena caverna não gostou de ser incomodado pela gritaria; então rolou uma pedra que veio a matar Omar, pois atingiu a cabeça. Gabriel olhou para baixo e berrou: “Não sou Deus, mas consegui a tua paz! Agora que os abutres se regozijem!”
FÓSFOROS
Naquela minúscula caixa havia um fósforo meio depressivo, sem cabeça. Não conversava com ninguém, abatido, triste, um inútil. Numa fria manhã ele surtou. Riscou um irmão contra o outro até a caixa explodir num fogo só. Não sobrou ninguém, até o esmalte da tampa do fogão ficou marcado. Uma vez mais ficou provado que quem não tem cabeça age por impulso e queima até mesmo os seus irmãos.
A CALCINHA
O relógio dava a impressão de não andar. Claudio ansiava por chegar em casa e arrancar de vez a calcinha da esposa. Um marido tarado? Não era o caso. Claudio passou o dia com o fio da dita rendada atolada no rego numa situação incômoda. Aí é que você observa a importância de gavetas de roupas íntimas separadas e de não se vestir no escuro.
A ILHA DIVIDIDA
Existia no Pacífico uma ilha dividida entre homens bons e homens maus. Volta e meia os maus matavam um homem bom e a vida seguia seu curso. Porém com o tempo os bons foram todos mortos e só restaram os maus. Passaram então os maus a se matarem entre si e no fim de tudo não sobrou ninguém para apagar a luz.
ELA CONHECEU O PARAÍSO
Uma mosca foi engarrafada junto da cerveja. Após dois meses e gelada no ponto acerveja foi aberta em um bar no Leblon. Ai sair da garrafa ainda um pouco perdida a mosca declarou em voz alta: “Eu morri por um tempo e conheci o paraíso. Naveguei por suas águas, ele existe, está dentro desta garrafa.” E mais não disse por que foi esmagada por um ateu sóbrio.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
PARA QUE SERVEM OS MINISTÉRIOS, AFINAL? por Percival Puggina. Artigo publicado em 20.02.2018
Tenho certeza de que esta pergunta, feita em qualquer país com instituições estáveis e racionais, pareceria uma infantilidade. Formulada no Brasil, será percebida, de imediato, com um sentido dúbio que salta aos olhos. Afinal, para que servem os ministérios?
ocê poderia pensar, por exemplo, que o Ministério do Trabalho e Emprego serve para organizar as ações e políticas do governo com vistas a ampliar o mercado de trabalho, formalizar e fiscalizar as relações trabalhistas e coisas assim. Poderia, mas não pensa. No fundo, você sabe que esse ministério pode servir, por exemplo, para que Roberto Jefferson, presidente do PTB, proporcione um mimo à própria filha, com direito a lágrimas de emoção e beijos de gratidão. Não tapemos o sol das fotos com a peneira dos decretos de nomeação. Ademais, o PTB tem, no Congresso, uma bancada de 20 deputados federais e 2 senadores que fazem peso quando o placar de votação fica apertado. Revela-se, assim, outra finalidade dos ministérios: eles são intercambiáveis com votos das bancadas partidárias que se credenciam ao direito de designar seu titular. Enfim, poderíamos seguir alinhando outras utilidades e usos maliciosos dos gabinetes na Esplanada: nomear afilhados, fazer negócios, arrecadar contribuições e comissões, ajudar a mídia amiga, atender a companheirada, angariar prestígio, e por aí vai.
Nos regimes de gabinete, parlamentaristas ou semiparlamentaristas, é a maioria formada por afinidade das bancadas eleitas que escolhe o chefe do governo e governa junto com ele. Quando o governo perde a maioria, por abandono ou traição dentro da base, cai. Esse preceito, ao contrário do que parece, tem consequência muito benéfica na conduta dos parlamentos. No presidencialismo, é o governante eleito que, permanentemente, precisa estar no balcão comprando, voto a voto, uma base que o sustente e isso corrompe o governo e o Congresso.
Se você achava ruim a concessão de um ministério à filha do presidente do PTB com vistas aos votos partidários, imagine a criação de 15 ministérios novos com objetivos semelhantes! Em 2002, o governo federal tinha 24 ministérios. Catorze anos mais tarde, o governo Dilma chegou a seu melancólico fim com 39 cadeiras ao redor daquela mesma mesa. E a vida, como se sabe, só piorou. O governo Temer voltou aos 24 e, agora, está criando o 25º para a Segurança Pública.
Muito mais importante do que reprovar o tipo de negócio feito nos prédios da Esplanada dos Ministérios é compreender o quanto é perniciosa a regra desse jogo político que transforma o governo num loteamento e o voto parlamentar em mercadoria com cotação unitária flutuante na bolsa política. É hipocrisia reprovar o eleitor que vende seu voto quando os membros do parlamento, a toda hora, fazem o mesmo com seu “Sim” e seu “Não” no painel de votação.
Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
______________________________
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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