quinta-feira, 15 de junho de 2017

O "LADRÃO VACILÃO" E SEU CARRASCO por Percival Puggina. Artigo publicado em 14.06.2017



Estava em viagem, acompanhando com menos denodo os acontecimentos no Brasil e, por isso, apenas ontem tomei conhecimento do fato que dá motivo a estas considerações.

Uma coisa é a crescente indignação com nossa também crescente insegurança; outra é a vingança mediante aplicação de uma suposta justiça por meios próprios. Uma coisa é o legítimo direito de promovermos a defesa de nossos bens e da nossa vida mediante o uso de instrumentos de persuasão; outra é o uso desproporcional desses meios, mormente quando aplicados contra um indivíduo em estado de idiotia, incapaz de se defender.

Houve um tempo, na história da humanidade, em que a "justiça" se fazia mais ou menos assim. Por repetitivo que seja, sempre é bom lembrar que já no século XVIII a.C., o rei Hamurabi, unificador do império paleobabilônico, editou o código que leva seu nome e, nele, estabeleceu a lei de talião (resumidamente: "olho por olho, dente por dente") para evitar reparações abusivas, que excedessem o dano causado. Assomos de vingança pessoal, linchamentos, e atos como o do tatuador, representam, pois, um recuo de 3800 anos na história da humanidade. O processo civilizador construiu outras referências, outros padrões de conduta e meios formais para realizar a justiça e buscar a sanidade nas relações sociais. Ou se adere a esses padrões que levam em conta a dignidade da pessoa humana, apesar das dificuldades e dos impulsos primitivos que coabitam em nós, ou retornamos à barbárie, à lei do mais forte. E isso é uma imprudência porque sempre haverá alguém mais forte do que nós.

É verdade que também regredimos na aplicação da justiça como a concebemos. Ela é lenta, ideologizada, pouco eficiente; o ladrão entra por uma porta da delegacia e sai pela outra. É verdade que essa sensação de impotência e quase inutilidade das instituições dá causa àquela indignação a que me referi acima. Mas sequer a soma de todas essas motivações autoriza a violência como a que foi exercida contra o rapaz por alguém que se fez juiz e agressor covarde de um indivíduo deficiente, e debochado carrasco de seu "réu" privado. Cometeu, assim, um crime muito mais grave do que o delito que o motivou àquela reação ferina. A conduta causa indignação. Mas essa indignação não autoriza quem quer que seja a tatuar-lhe na testa "carrasco e torturador". Certo?

Devemos ser promotores da humanização da humanidade. E não o contrário disso. Então, assim como saúdo a solidária mobilização para restaurar o rosto do pressuposto ladrão vacilão - que rapidamente levantou milhares de reais - lamento a falta de solidariedade nacional em relação a tantas outras vítimas da violência e da criminalidade que não aparecem na imprensa, não são pauta nas redes sociais e não inspiram ações restauradoras de natureza pública ou privada.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

Comentário feito no blog do Puggina:


Renato . 14.06.2017
Prezado, com a humildade de quem muito se inspira com seus artigos, venho registrar minha discordância. Não pelo repúdio ao ato do tatuador, confesso que me vi obrigado a buscar nas profundezas de minha "formação civilizada" a nobreza suficiente para entender que foi mesmo um exagero. Mas gostaria de lembrar o quão desequilibradas estão as coisas nesses tempos. O que muitas vezes nasce de um esforço de equilíbrio, pode, de maneira completamente involuntária, conter elementos de reforço ao inimigo. Como ensina Olavo de Carvalho, "macaquear" as expressões e conceitos do adversário em um embate, já é lhes conceder, pelo menos em parte, a vitória. Chamei de inimigo, pois assim todos deveríamos entender, cada palavra ou "tese" de proteção à civilidade lançadas pela esquerda causam apenas mais morte, ou pelo menos maiores riscos de morte, para os cidadãos de bem desse planeta. Por isso, gostaria de lembrar, refutemos o ato do tatuador, mas chamemos sua "vítima" do que ela é: ladrão. Rapaz, deixemos para os de bem e guardemos para eles nossa solidariedade.

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